25.6 Tinha uma vida horrível!

ciclo 2º Ciclo
id Constança-6
pof entrevista_Constança
keys Violência na escola // violência sobre os professores
nvivo incidentes críticos
geo Lisboa

Houve um episódio que me marcou, que me fez descer mais ao nível deles ainda, e tentar perceber o porquê. Havia lá uma aluna que, quando eu estive na direção, portanto não foi nessa altura que eu dei aulas, eu depois fui para a direção, para presidente do Conselho Executivo, e uma dessas meninas que era de cor, era muito agressiva. Ela por bem era um doce, mas quando ela estava virada do avesso era um furacão autêntico e ela espancou uma colega minha, professora de história, no pátio. E eu, com um colega que estava comigo na direção, fomos a correr e tentar separar. Apanhámos também. Ela quando agredia - já tinha agredido colegas - ela arrancava punhados de cabelo das colegas, era uma coisa… Ela tinha uma força anormal, portanto parecia que estava completamente possuída, eu nunca tinha visto uma coisa daquelas. Parecia um filme de terror. E essa colega ficou com problemas, não continuou a dar aulas e isso marcou-me. Marcou porque fiquei perante uma situação de fragilidade de um docente que estava a dar o seu melhor, mas que não conseguiu chegar àquela miúda porque ela era de facto muito difícil. Era muito, muito, muito difícil. De repente ela dava-lhe um clique e ela passava para a bravura, de um doce para um ser completamente explosivo, sem controlo emocional qualquer, sem filtro, sem nada. Tinha uma vida horrível. Ela chegou a viver na rua, portanto aquela miúda tinha razões de sobra. Agora os outros também não tinham culpa e também não sabiam ler. E esta colega, coitada, era inexperiente, alguma fragilidade e não soube lidar com a situação da melhor maneira e foi vítima. Foi uma vítima muito feroz da situação e fez-me repensar na altura. Fez-me repensar e fez-me perceber rapidamente que as escolas não tinham os meios que precisavam. Nós já na altura reivindicávamos apoios psicológicos para esta miúda, acompanhamento, ela era desprotegida em termos familiares, completamente entregue a ela própria. Depois estava numa instituição, ela fugia da instituição. Portanto, fez-me questionar muita coisa em termos sociais, não tanto enquanto docente, mas aprendi a lidar com estes miúdos, dando e tirando. Tive algumas situações muito complicadas nestes anos todos, de tal maneira que pensei escrever um livro, mas depois achei que o livro ia ser tão penoso para mim e para quem o lesse que achei que não. Mas tive histórias muito complicadas. Meninos com desequilíbrios emocionais gravíssimos, aspergers não medicados, não controlados, porque hoje aparecem nas escolas mas já estão minimamente controlados. Crianças que quando se irritam - porque não são percebidas pelos outros e têm o seu direito -, que são inteligentíssimas, mas que rapidamente passam do estado de amorfismo para uma bravura, que levam tudo à frente, que uma vez apanhámos um saltar o gradeamento, só tive tempo de o pendurar pelas calças. Pronto, coisas assim muito, muito, muito duras, em que me obrigam a perceber - obrigaram-me a mim e obrigam aos professores que estão no terreno - que nós precisamos de grandes apoios nas escolas que ainda não temos. Isso é que me abanou! Ajudou-me a compreender melhor as situações, porque isto são sempre aprendizagens, eu acho que vou aprendendo imenso ao longo da minha vida como professora .