49.1 Estranhei ouvir o hino nacional na rádio

ciclo 3º Ciclo e Secundário
id Joana-1
pof entrevista_Joana
tempoh 25 de Abril de 1974
geo Coimbra

Foi uma coisa excecional. Acho que marca a vida de uma pessoa. Sabe que nesse dia, eu ia sair de casa da avó e ir para a faculdade - a faculdade era logo atrás. A casa da avó ficava na traseira da Faculdade de Letras e da Faculdade de Farmácia. Sabe que aquelas ruinhas pequeninas de Coimbra tinham pessoas com umas características muito sui generis. Então, a gente ouvia os rádios de toda a gente, naquelas ruas. A gente subia e descia as ruas, ouvia um rádio que estava a transmitir futebol, outro que estava nas novelas, outro estava com música, etc. Eu estranhei, nesse dia, ouvir o hino nacional. “O Hino Nacional hoje? Num dia de semana?”. Achei estranho, mas pronto. Quando cheguei [à faculdade] tive uma aula de Literatura Inglesa num grande auditório. Sei que quando me sentei na minha cadeira, diz-me uma colega: “Olha, parece que houve uma revolução em Lisboa!”. Bem, já ninguém trabalhou. Depois confirmou-se. Os estudantes de Coimbra eram de esquerda, eram todos à frente, tudo revolucionário. Lembro-me que, depois, deixou de haver aulas e fomos todos, professores e alunos para a rua. Entretanto, a faculdade tinha fechado a porta férrea e nós queríamos a porta férrea aberta como o símbolo da liberdade. Tínhamos connosco professores - é curioso que há pormenores interessantes. O professor R. - estava um dia de sol e quem não tinha chapéu arranjava qualquer coisa porque estávamos parados ali à torreira - tinha na cabeça - outros professores também, alunos não - lenço de homem que eles usavam de pano, com um nozinho em cada ponta postos na cabeça. Eu vi isto e achei aquilo uma delícia, porque tornavam-nos tão caricatos, muito mais próximos de nós, evidentemente. Nesse dia, juntámo-nos todos e, a certa altura, alguém abriu a porta férrea. Não imagina! Nós entrarmos ali a cantar, acho que foi a Grândola Vila Morena e a dar vivas à liberdade. Foi assim um dia fantástico. Foi esse e foi depois o 1.º de Maio. Foi o primeiro 1.º de Maio, depois do 25 de Abril. Quer dizer, aquilo foi assim uma coisa inexcedível. Sei que andámos na Baixa de braço dado, na manifestação, com pessoas que conhecíamos e que não conhecíamos. Foi assim, uma coisa que foi para a vida. Ficou para a vida.