| ciclo | 3º Ciclo e Secundário |
| id | Catarina-1 |
| pof | entrevista_Catarina |
| keys | avaliação |
| nvivo | incidentes críticos |
Aí não, eu sou daquela equipa das Marias, não é? Nós éramos campeãs nacionais e eu ganhei 13 campeonatos e depois tínhamos que ir às seleções, à seleção nacional e eu joguei praticamente dos 14 até aos 38. E ainda bem que joguei, sabe porquê? Porque havia uma legislação quando era, por exemplo, estágios para a seleção portuguesa, para a seleção nacional, nós tínhamos direito, e não havia faltas, está a perceber? Mesmo nisso, coitados, os miúdos lá em Mangualde foram prejudicados porque, nesse ano, houve pelo menos duas seleções e um campeonato da Europa e já nem sei o que é que a gente entrou e eu era selecionada, mas nós éramos campeãs sempre, éramos melhores do que as outras, francamente. E eu fui selecionada e, portanto, para mim até era um alívio, porque não tinha que andar a ir lá. Eram duas, três semanas de estágio aqui, por exemplo, em Gaia, no Colégio de Gaia, a gente ficava instalada, que era um sossego, mas eles ficavam sempre sem professor durante esse período. Por exemplo, para entrar na Taça dos Campeões Europeus, que nós entrávamos todos os anos, também tínhamos direito a ir e não sei quê. E o clube no segundo ano que eu estive em Mangualde passou a pagar-me para ir a meio da semana treinar, percebe? Ou seja, eu ia, por exemplo, na segunda-feira para Mangualde, vinha à quarta, treinava na quarta, voltava na quinta e vinha na sexta e treinava na sexta e assim acabava por treinar duas, três vezes por semana para poder depois jogar ao fim de semana. Mas isto, a gente também tinha, eu tinha para aí 20 e tal, 30 anos. Mas era, olhe eu nem sei explicar. Eu ainda hoje olho para aquilo e digo: “Eu não sei como fazia aquilo”, os caminhos para lá, a estrada para lá era uma coisa. Eu tive furos, não sabia mudar pneus, parava no meio da estrada à espera que passasse por lá um, porque eram estradas quase sem movimento. Uma vez foi o carro de um presidente da câmara e eu no meio da estrada a fazer assim [faz gestos], lá o presidente da câmara parou, não sei de onde era e ainda disse “Veja lá, quer que a leve?”. O motorista mudou o pneu e eu depois lá fui ao meu caminho. Não havia telemóveis, portanto eram situações que não lembram ao diabo! As pessoas falam de nós como se nós trabalhássemos apenas 22 horas. Ninguém pode imaginar, por exemplo, o que eu demorava para fazer testes. Eu tinha, imagine, duas turmas do 12.º [ano de escolaridade] de Psicologia, por exemplo, e queria fazer testes. Eu dava-lhes normalmente os objetivos - nós chamávamos objetivos, agora já devem ter outro nome qualquer, muito mais intelectual - mas que no fundo era: “Meninos, nós queremos que vocês saibam isto, isto e isto”. Pronto, eu dava-lhes aquilo tudo por computador, como também lhes dava - que era outra coisa que muitos professores não faziam e que deviam fazer - dava-lhes a correção. Os tópicos, não é a correção. Eu fazia, eu própria, e é muito bom fazer o teste, e fazer logo que a gente vê como é que a formulação da questão está bem ou mal feita. Se eu quero que eles me digam isto, eu tenho que fazer uma pergunta que leve os alunos a manifestar que sabem isto, não é? Não pode imaginar o tempo que eu perdia nisto. Perdia, não! Perdia, pronto, perdia ou ganhava num certo sentido. Que era para turmas diferentes, como eu não dava o mesmo teste à mesma turma, avaliar os mesmos conteúdos, avaliar as mesmas capacidades de crítica, de interpretação, e tinha que fazer contextos diferentes e perguntas diferentes, mas que no fundo eram as mesmas. E isto que eu queria avaliar e depois fazendo logo a correção, isto é, os tópicos, na questão tal deve-se focar os seguintes pontos, isto vale X, isto vale Y, e o total da cotação, porque eles assim ficam esclarecidos. Os miúdos, assim, não tinham dúvidas nenhumas. Nunca me punham dúvidas. Eu não fazia correções na aula, eu entregava-lhes os testes juntamente com os tópicos de correção. Eles viam perfeitamente o que deviam ter dito e não disseram, ou o caminho que deviam ter seguido e não seguiram. E eu acho que muitas pessoas não fazem isso. Sinceramente, na escola eu via muitos professores não fazerem porque isso dá muito trabalho. Portanto, para fazer um teste, que eu fazia logo o teste mais a sua respetiva correção, eram horas e horas, percebe? Eram horas e horas! E depois, [durante] os fins de semana que toda a gente vem para casa e desliga do que andou a fazer durante a semana. A pessoa até pode desligar, mas está sempre - como é que eu lhe hei de dizer - “Ai, hoje vou ao cinema”, mas depois: “Eu não devia ter ido ao cinema porque eu tenho a turma tal para corrigir. Eu tenho que entregar na segunda-feira”. E lá estamos até à 1h ou não sei quantas da manhã a corrigir testes, ou a dar material para o próximo teste que eles vão fazer e não sei quê. São horas a fio! Não me venham cá com histórias de que o professor tem 22 horas, depois tem três meses de férias. Que é verdade, a partir de certa altura, mas olhe que eu acho que isso até nos provocava algum… Eu tenho uma amiga psiquiatra que me dizia “Vocês aparecem-me muito por lá porque uma das razões é vocês nunca terem um horário”, como é que eu hei-de dizer isto? Imagine, nós estamos com um horário de X horas por semana e, de repente, para tudo e vamos dar notas aos alunos. E, de repente!, vamos ter que fazer outras coisas. De repente, porque é do dia para a noite. Estamos habituados a acordar às sete e a não sei quê, não sei quê, e de repente é outra coisa completamente diferente. São tarefas completamente diferentes, porque as escolas têm outro tipo de tarefas que não são só as de lecionação, e nós entrávamos noutro tipo de tarefas completamente diferentes. Isto dá cabo aqui do esquema mental de cada um e por isso é que a gente chega muitas vezes ao psiquiatra. E até em situações mais graves do que essa, não é? Eu acho que há muito professor, muito professor mesmo, com alguns problemas. Eu bem sei que isto já vem de trás, mas há. Depois conheci imensos professores que não era, de facto, aquela vocação e que estão ali obrigados, entre aspas, porque não arranjaram mais nada ou porque não concorreram a mais nada e depois já são efetivos e depois não voltam para trás, não é? Mas eu acho que no geral é uma profissão muito pouco apoiada, isso não tenho dúvida, não é? Se eles queriam bons professores, tinham que nos dar condições para não nos preocuparmos com o dia a dia, com o dinheiro. Eu não queria pedir na altura dinheiro aos meus pais nem nada disso. E por isso mesmo digo-lhe uma coisa: Quando aquilo chegava ao fim, eu metia atestado, ficava doente na última semana até receber o próximo [risos]. A coisa melhorou quando o Leixões passou a pagar a gasolina para ir e vir, mas era extraordinariamente cansativo. Imagine, ora aquilo era a 200 quilómetros, eu fazia para aí 800 quilómetros por semana, para vir a Matosinhos treinar. Mas era uma coisa que eu não me importava porque eu gostava imenso de jogar, arejava e vinha. E depois lá tínhamos também um grupo forte. Eu acho que a gente apoiava-se, apoiávamo-nos uns aos outros e havia muitos professores de fora, de Viseu ou do Porto e tínhamos um grupo, íamos a discotecas. Nós também nos divertíamos. Senão dávamos em tolos! Mas tínhamos um belíssimo presidente do conselho executivo, que era ótimo, tratava todo o pessoal muito bem e depois fui-me aproximando e depois vim para a secundária, para a H.A., que foi sempre uma belíssima escola também, foi uma boa escola, sempre com bons professores e aberta a estas coisas. Deve ter sido das primeiras escolas que usou o moodle, deve ter sido. Agora a adesão dos colegas é que não foi lá muito, não foi lá muito grande [risos]. Acho que “isso é fantochada, é fantochada”, não são fantochadas, não são fantochadas. Poupa-se papel, por exemplo, imensos trabalhos de casa eles faziam no moodle e eu corrigia no moodle. E mandava-lhes a correção. Só os testes de avaliação propriamente ditos é que não, o resto dos trabalhos era tudo feito no moodle. Agora os testes de avaliação eram feitos na sala de aula, eram corrigidos e eram entregues em papel. Eu própria, aquilo tinha perspetivas e eu podia ir buscar coisas à internet, etc. que de outra forma não conseguia, percebe? A não ser que se imprimisse e não sei quê. Ali não, eu punha essas coisas, quem queria consultava e eu via muito bem quem consultava, quem ia lá ler, quem não ia ler, não é? Era uma ajuda, um instrumento auxiliar, assim como nas direções de turma. Eles hoje queixam-se porque muitos diretores têm outros trabalhos burocráticos a substituir esses que nós tínhamos dantes, que era marcar as faltas, escrever para casa. Agora não, mandam-se e-mails e não sei quê. Eu estou-lhe a dizer que com a [ministra] Maria de Lurdes [Rodrigues] não sei quantas, uma das coisas que vinha lá nas grelhas - aquelas grelhas deviam ser estudadas na Faculdade de Psicologia, porque revelam a loucura de uma pessoa - um dos itens de avaliação era as vezes que o director de turma telefonava aos pais: “Quantas vezes contactou os pais por telefone?”. Uma coisa era contactar os pais por telefone, outra coisa era contactar os pais por e-mail ou por escrito por postal. Está a ver? Já chegámos onde? Mas o que é que isso tem a ver com ser professor hoje em dia? Sim senhor, acho muito bem que também fizesse parte da nossa avaliação a maneira como interagimos com os pais, principalmente os diretores e os outros professores também. Por exemplo, de vez em quando também recebia visitas, sem ser directores de turma, dos pais, eles vinham lá e pediam para falar connosco e acho que sim, que era importante. É uma avaliação que também se deve fazer, agora não deve vir numa grelha o número de vezes que eu telefono a um pai ou encarregado de educação, isso é uma insanidade mental, não é? E o foco da avaliação, que era o que não acontecia, o foco da avaliação, isto é, naquilo que a ministra propunha, a nossa prática letiva não era avaliada. Era tudo avaliado: as vezes que íamos à rua com os meninos, as vezes que não sei o quê, as vezes que a gente dançava com os meninos ou fazia um arraial, ou fazia não sei o quê. Isso era tudo avaliado! Agora, o que nós fazíamos dentro da sala de aula, que era a parte principal e que devia ser avaliada também, passava ao lado. Ninguém sabia, ninguém lá entrava. Ninguém lá ia ver. Percebe o que eu quero dizer? Entretanto, acho que foi sempre uma profissão um bocadinho malvista, embora eu na altura até lesse, e não sei como é que isso está, era das profissões mais respeitadas na altura e onde os portugueses tinham mais confiança, nos professores precisamente, mais do que médicos ou mais do que em polícias. Nós chegámos a estar à frente. Agora, depois daquela ministra, é óbvio que as coisas mudam. Ela fez de tudo, de tudo para menosprezar a profissão. Isto, sinceramente, é o que eu acho. E depois houve muitos actuais directores, na altura, presidentes de executivos que foram atrás desta conversa que queriam era fazer flores junto da ministra e que não defenderam a classe como uma classe que devia ser defendida. Ninguém nunca disse que não queria ser avaliado. Nós queríamos era participar nos critérios de avaliação que iam ser aprovados e não fomos chamados a ouvir, nem sindicatos, nem representantes de professores, nem nada. Por exemplo, a Associação de Professores de Filosofia, de vez em quando, lá nos ouviam em qualquer coisa que a gente mandava para lá, mas não éramos chamados a ouvir nem a participar. E cada grupo, cada área disciplinar tem os seus problemas específicos. As aulas de Filosofia ou de Psicologia ou de Sociologia têm que ser necessariamente diferentes das aulas de Português ou das aulas de Matemática ou das aulas de Físico-Química e, portanto, têm que ser avaliados por professores dessas áreas, dessas áreas. Não me importava nada de ter aulas assistidas. Nem eu nem muitos, mas isso não queriam eles porque tinham de pagar a alguém para ir fazer as aulas. Ficava caro. Era preciso avaliar os professores, mas gastar dinheiro com a avaliação não podia ser. Percebe o que quero dizer? Mas pronto, não me vou irritar por causa disso. Mas já lhe respondi que sim, os primeiros anos foram muito bons, muito bons no sentido, foram péssimos, que eu andei de um lado para o outro, foram péssimos! Mas tenho boas recordações. Não há nenhuma escola que eu tenha más, tenho boas recordações do corpo docente em geral, da forma, por exemplo, como a gente ia para o interior e nos apoiavam, quer quando era preciso encontrar alojamento. Porque havia logo quem cobrasse coisas exorbitantes. Sabiam que precisávamos do quarto e pediam coisas mirabolantes. Então os professores de lá, muitas vezes, olhe, um dos anos que eu lá estive em Mangualde, fiquei em casa da filha de uma colega minha que estava a estudar em Lisboa. Tinha um apartamento em Mangualde. Aí foi um alívio, porque eu e outra alugámos as duas o apartamento e fomos para esse andar que era um T3. Fomos para lá e deixei de pagar aquela exorbitância que pagava por um quarto gelado, que nem imagina como era um quarto gelado que eu lembro-me de chorar à noite, chorar era de frio, de depressão eu sei lá o quê. No quarto puseram-me um aquecedor daqueles que têm uma resistência elétrica e eu deixava - até em riscos de incêndio - mas eu tinha que deixar ligado toda a noite. Não sei como aguentei, eu não sei como aguentei. E depois lá fomos as duas para um andar normal, com água e luz. A água, já lhe digo que no inverno era gelada! Gelada, tinha que se tirar de noite porque senão de manhã não tinhamos nem para lavar a cara, quanto mais para tomar banho. E depois no verão também não havia. É curioso, eles no verão tinham falta de água por causa das secas. No verão havia água só das 7h00 às 11h, depois chapéu, o que significa que toda a gente gastava muito mais água porque enchiam-se banheiras. Mas, à parte das condições físicas, foi bom.