| ciclo | 3º Ciclo e Secundário |
| id | Camila-2 |
| pof | entrevista_Camila |
| keys | Expetativas sociais da educação // elevador social |
| nvivo | Incidentes críticos |
E depois um outro também que tinha uma mãe, a mãe era empregada doméstica e o pai tinha uma profissão qualquer. E a mãe era uma pessoa interessadíssima, para que o filho progredisse e chegasse mais longe do que eles, o pai não, achava que não, ele, o pai [achava] que ganhava o suficiente para sustentar a família. Portanto, um filho não precisava de ser doutor, como ele dizia. E a mãe, coitadita, sofria muito com aquilo. E o rapaz queria ser arquiteto, queria ir para arquitetura. E eu falava com a mãe e a mãe dizia-me “Oh sotora, porque eu não consigo dar a volta ao meu marido, porque ele quer continuar os estudos e o meu marido diz que não, que vai mas é trabalhar no fim do 12.º ano”. E eu disse “mande-me cá o seu marido, não quer dizer que eu o vá convencer, mas não perco nada em falar com ele”. E o homem, coitado, lá se apresentou assim com um ar um bocado encabulado à espera… a mulher já devia ter dito qual era o assunto. Ele devia estar à espera de apanhar um raspanete. E eu lá falei com ele e ele primeiro muito renitente, mas depois eu lá falei com ele e tal e disse vamos fazer assim -“Prometa-me uma coisa, se ele chegar ao fim do 12.º ano e entrar na faculdade deixa-o ir”, - “Ah professora, as propinas, porque eu não posso”, e eu disse -“as propinas não são tão caras como isso. E depois há bolsas. Ele pode concorrer e pode até conseguir”, e ele “se calhar também não é preciso isso”, -“então deixe ir o rapaz”. E ele, por acaso, depois acabou o 12.º ano e não entrou em arquitetura, mas entrou em design, portanto fez design. Depois, passados uns tempos, eu encontrei-o no supermercado, ouvi chamar por mim e olhei, era ele e estivemos a conversar, -“Então agora o que é que faz?”, -“eu agora sou arquiteto” Quer dizer, tinha feito primeiro design, arranjou trabalho e depois acabou por fazer arquitetura.
Entrevistadora: Ai, essa é uma história bonita mesmo.
Camila: E eu disse -“Olha, sabes a quem é que tu deves isso?”, ele disse -“à professora, devo muito a si”, e eu -“a mim deve alguma coisa, mas deve muito à tua mãe, não fosse ela uma mulher corajosa e uma mulher com uma visão da vida que não é, enfim, que não é mesquinha, que procura realmente o melhor para os filhos….Possivelmente ela nunca me teria dito. Eu nunca teria falado com o teu pai. O teu pai acabava por bater o pé no chão e era ele que mandava, porque era homem, e por isso tu nesta altura estavas a trabalhar noutra coisa qualquer”. E ele acabou por ser aquilo que ele sonhava ser, que era ser arquiteto.