No processo T-203/01,

Manufacture française des pneumatiques Michelin, com sede em Clermont-Ferrand (França), representada por J.-F. Bellis, M. Wellinger, D. Waelbroeck e M. Johnsson, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Wainwright, na qualidade de agente, assistido por A. Barav, advogado,

recorrida,

apoiada por

Bandag Inc., com sede em Muscatine, Iowa (Estados Unidos), representada por H. Calvet e R. Saint-Esteben, advogados,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2002/405/CE da Comissão, de 20 de Junho de 2001, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 82.° do Tratado CE (COMP/E-2/36.041/PO ─ Michelin) (JO 2002, L 143, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por:

K. Lenaerts, presidente,

J. Azizi e M. Jaeger, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 3 de Abril de 2003,

profere o presente

Política comercial da recorrente nos mercados em causa

1. A Manufacture française des pneumatiques Michelin (a seguir "recorrente" ou "Michelin France" ) tem como actividade principal o fabrico de pneumáticos ou "pneus" para veículos diversos. Em França está presente, designadamente, na produção e na venda dos pneus novos e recauchutados para veículos pesados.

2. No que respeita aos pneus novos, faz-se a distinção entre o mercado do pneu de origem e o do pneu de substituição. A venda de pneus de origem (igualmente denominados "pneus instalados de fábrica" ) é realizada directamente pelo produtor de pneus ao fabricante de veículos automóveis. Ao invés, no mercado dos pneus de substituição, a venda aos consumidores finais é realizada principalmente por intermédio de um grande número de empresas comerciais especializadas.

3. A procura de pneus para veículos pesados não é satisfeita unicamente com base na oferta de pneus novos. Com efeito, quando as carcaças dos pneus usados se encontram ainda em bom estado, é possível dotá-los de um novo piso: trata-se da operação de recauchutagem.

4. O presente processo diz respeito à política comercial que a recorrente levou a cabo em França, nos mercados dos pneumáticos novos de substituição para veículos pesados, por um lado, e dos pneumáticos recauchutados para veículos pesados, por outro. Esta política continha os três elementos seguintes, que adiante serão examinados mais detalhadamente: as "Condições gerais em matéria de preços aplicáveis em França aos revendedores profissionais" , a "Convenção para o bom rendimento dos pneus Michelin para veículos pesados" ( "convenção PRO" ) e a "Convenção de cooperação profissional e de assistência serviço" (o denominado "Clube dos amigos Michelin" ).

1. Condições gerais em matéria de preços aplicáveis em França aos revendedores profissionais

5. As "Condições gerais em matéria de preços aplicáveis em França aos revendedores profissionais" (a seguir "condições gerais" ) incluía, por um lado, um preço "de tabela" , ou seja, a "tabela de preços" (preço líquido facturado, sem descontos) e, por outro, um conjunto de descontos ou de bónus.

6. De 1980 a 1996, os bónus previstos nas condições gerais dividiam-se em três categorias: os "bónus de quantidade" , os bónus atribuídos em função da qualidade do serviço prestado pelo revendedor aos utilizadores ( "prémio de serviço" ) e os bónus concedidos em função dos esforços desenvolvidos em matéria de venda de artigos novos ( "prémio de progresso" ). Os bónus não eram obtidos "sobre a factura" , sendo recebidos no fim do mês de Fevereiro do ano seguinte ao período de referência.

7. O sistema de bónus de quantidade previa um desconto anual expresso em percentagem do volume de negócios realizado junto da recorrente, cuja taxa aumentava progressivamente em função das quantidades das aquisições. As condições gerais previam a este respeito três escalas, consoante os pneumáticos considerados ( "todas as categorias" , "veículos pesados de construção civil" e "recauchutagem" ).

8. A título de exemplo, a escala "todas as categorias" incluía, em 1995, 47 escalões. As percentagens de desconto oscilavam entre 7,5% para um volume de negócios correspondente a 9 000 francos franceses (FRF) e 13% para um volume de negócios superior a 22 milhões de FRF. As categorias "veículos pesados de construção civil" e "recauchutagem" possuíam a sua própria "escala" . Por exemplo, em 1995 os descontos concedidos em matéria de pneus recauchutados oscilavam entre 2% para um volume de negócios superior a 7 000 FRF e 6% para os volumes de negócios que excedessem 3,92 milhões de FRF.

9. Em 1995 e em 1996, as condições gerais previam, em determinadas condições, três adiantamentos dos bónus de quantidade atribuídos, em Maio, em Setembro e em Dezembro, respectivamente, do exercício em curso.

10. O "prémio de serviço" remunerava o comerciante especializado "para a melhoria do seu equipamento e do seu serviço pós-venda" . A elegibilidade para efeitos deste prémio dependia da realização de um volume de negócios anual mínimo junto da recorrente. Este montante oscilou entre 160 000 FRF em 1980 e 205 000 FRF em 1985. Passou subsequentemente a ser de 50 000 FRF, tendo descido para 45 000 FRF em 1995 e em 1996. A percentagem do prémio, fixada no início do ano mediante convenção anual com o revendedor no âmbito de um documento intitulado "prémio de serviço" dependia da observância dos compromissos assumidos pelo revendedor numa série de domínios. Cada compromisso correspondia a um determinado número de pontos e se fossem excedidos determinados limiares neste contexto, tal conferia o direito a um prémio correspondente a uma percentagem do volume de negócios realizado com a recorrente, incluindo todas as categorias. Esta percentagem ia até 1,5% no período de 1980 a 1991 e até 2,25% no período de 1992 a 1996. A pontuação máxima era 35 pontos e o prémio máximo obtinha-se a partir de uma pontuação de 31 dos 35 pontos. Entre os compromissos através dos quais se podiam obter os pontos, constava o de promover a venda de produtos novos da recorrente e o de lhe fornecer informações sobre o mercado. O revendedor obtinha 1 ponto suplementar se procedesse sistematicamente à recauchutagem das carcaças Michelin junto da Michelin France. Em 1996, passou a ser pedida apenas a realização sistemática da primeira recauchutagem das carcaças Michelin junto da recorrente. O prémio de serviço foi suprimido a partir de 1997.

11. O "prémio de progresso" visava recompensar os revendedores que aceitavam comprometer-se por escrito no início do ano a exceder uma base mínima (expressa através do número de invólucros adquiridos por ano), fixada de comum acordo, em função da actividade anterior e das perspectivas no futuro, e que conseguiam excedê-la. A base era fixada todos os anos, sendo objecto de negociações com o revendedor. Em 1995 e em 1996, a partir de um montante superior ou equivalente a 20% do valor de base, aplicava-se uma taxa de 2% ou 2,5% de bónus à totalidade do volume de negócios realizado com a recorrente, relativamente aos veículos pesados.

12. Além disso, os revendedores que ultrapassassem durante dois exercícios consecutivos um determinado limite do volume de negócios com a recorrente obtinham o direito de negociar uma "convenção de cooperação comercial" (denominada "convenção individual" ) que dava direito a descontos suplementares. Entre 16 e 18 revendedores importantes assinaram este tipo de convenção entre 1993 e 1996.

13. A partir de 1997, a recorrente alterou as suas condições comerciais relativamente aos revendedores. No que respeita aos pneus novos para veículos pesados, as principais alterações eram o desaparecimento dos bónus de quantidade, do prémio de serviço e do prémio de progresso, assim como o aparecimento de novas categorias de descontos: os "descontos sobre a factura" , o "prémio por objectivo alcançado" , os "bónus de fim de ano" , bem como um "bónus multiproduto" . Estes descontos aplicaram-se em 1997 e em 1998. A partir de 1997, o essencial dos descontos anteriormente desembolsados no fim do mês de Fevereiro do ano seguinte ao período de referência foi "incluído na factura" .

14. Os "descontos sobre a factura" (variando entre 15% e 19%) eram concedidos em função do número de invólucros novos "para veículos pesados/veículos de estaleiro/veículos ligeiros de construção civil" adquiridos no decurso do ano transacto, da média de aquisições dos dois anos precedentes ou ainda com base na média de aquisições dos três anos precedentes, consoante a solução mais favorável para o revendedor.

15. Os revendedores que pretendessem obter descontos sobre a factura superiores ao montante a que teriam direito em função das suas prestações anteriores deviam assinar um contrato de objectivo, fixado de comum acordo com a recorrente, que tinha em conta o potencial do revendedor e a evolução previsível do mercado. O desconto sobre a factura susceptível de ser obtido correspondia, nesse caso, à fracção em que se inseria o compromisso assumido pelo revendedor.

16. Os revendedores que tivessem assinado um contrato de objectivo, em 1997, obtinham um "prémio por objectivo alcançado" de 2% sobre o volume de negócios líquido anual facturado, desembolsado no final de Fevereiro, caso tivesse sido alcançado o objectivo. Em 1998, este prémio foi fixado em 1,5%.

17. Em função do desconto sobre a factura concedido inicialmente, bem como do volume de negócios líquido realizado, era desembolsado um "bónus de fim de ano" no final de Fevereiro, que variava entre 0% e 3%. O "bónus multiproduto" era concedido aos revendedores que realizassem um volume de negócios "pneumáticos" , englobando todas as categorias sem distinção, superior a 50% do seu volume de negócios total e que realizassem uma proporção significativa do mesmo em pelo menos duas das quatro categorias seguintes: ligeiros de passageiros/ligeiros de mercadorias, motociclos/ "scooter" , veículos pesados e agrícolas. Tinham direito a um bónus de fim de ano sobre o volume de negócios facturado em produtos novos (à excepção de veículos pesados de construção civil) e produtos recauchutados, segundo uma escala que variava entre 1% a 2,20% em 1997 e entre 1,5% e 2,70% em 1998.

18. No que se refere aos pneus recauchutados para veículos pesados, o sistema incluía, a partir de 1997, dois descontos, a saber, em primeiro lugar, um desconto sobre a factura de 5%, aplicado a todos os pneus recauchutados e, em segundo lugar, um bónus de quantidade de fim de ano, em função do volume de negócios líquido total (ligeiros de mercadorias, veículos pesados, veículos de estaleiro, agrícolas, veículos ligeiros e pesados de construção civil), que aumentava progressivamente, variando entre 1% (a partir de 6 500 FRF) e 4% (mais de 2 500 000 FRF) do volume de negócios líquido total no sector dos "recauchutados" segundo uma escala de 16 escalões, com variações da percentagem entre eles de 1% no limite mais baixo da escala até 0,1% no nível máximo.

19. Os revendedores que tivessem assinado uma convenção individual continuavam a beneficiar de descontos suplementares (quer para os pneus novos quer para os recauchutados).

2. Convenção para o bom rendimento dos pneus Michelin para veículos pesados ( "convenção PRO" )

20. Destinada exclusivamente aos revendedores que adquiriam invólucros de pneumáticos novos para veículos pesados junto da Michelin France, a convenção para o bom rendimento dos pneus Michelin para veículos pesados ( "convenção PRO" ), instituída em 1993, permitia aos revendedores obterem descontos suplementares. Para o efeito, o revendedor devia assumir diversas obrigações, a saber, assinar com a recorrente um compromisso respeitante ao prémio de progresso relativo aos veículos pesados para o ano em curso e apresentar para efeitos de uma recauchutagem as carcaças Michelin de veículos pesados que deviam ser retirados de circulação devido ao seu estado de desgaste. Em contrapartida, por cada carcaça de veículo pesado considerada "boa para recauchutagem" pela recorrente, o revendedor beneficiava de um pagamento de 45,65 ou de 120 FRF em função do tipo de pneu relevante. Se as carcaças fossem objecto de reescultura e remoldadas, o revendedor recebia mais 15,25 ou de 40 FRF. Deste modo, o revendedor podia obter, no máximo, 160 FRF de desconto. O prémio era pago sob a forma de um crédito, válido para as aquisições de pneus novos para veículos pesados. O número máximo de prémios "PRO" era limitado pelo número de pneus novos para veículos pesados adquiridos no ano anterior. A partir de 1997, o montante dos prémios concedidos foi limitado pelo número de pneus que o revendedor se tinha comprometido a comprar durante o ano em curso, no seu contrato de objectivo para 1997. Em 1998, a "convenção PRO" desapareceu.

3. Convenção de cooperação profissional e de assistência serviço ( "Clube dos amigos Michelin" )

21. O "Clube dos amigos Michelin" , criado em 1990, é composto pelos revendedores de pneus que pretendam uma parceria mais estreita com a recorrente. Esta participa nos esforços financeiros do revendedor, membro do clube, nomeadamente, através de uma contribuição para o investimento e formação, bem como mediante uma contribuição financeira correspondente a 0,75% do volume de negócios anual em "serviços Michelin" . As contrapartidas exigidas pela recorrente são, designadamente, as seguintes: o revendedor deve comunicar-lhe várias informações relativas à sua empresa (comunicação dos balanços, das estatísticas sobre os volumes de negócios e prestações de serviços, informações sobre os accionistas); o revendedor, membro do clube, deve permitir controlos de qualidade do serviço, deve conceder destaque à marca Michelin, designadamente, aos produtos novos, e manter existências suficientes de produtos Michelin para poder responder imediatamente à procura do cliente. Era obrigatório, até 1995, não canalizar a procura ─ espontânea ─ de produtos Michelin dos clientes utilizadores para outras marcas. Era, por fim, obrigado a realizar a primeira recauchutagem das carcaças dos veículos pesados junto da Michelin France. Esta última condição, que surgiu em 1991, desapareceu para os ligeiros de mercadorias em 1993 e foi totalmente eliminada em 1995.

Procedimento administrativo e decisão impugnada

22. Em Maio de 1996, a Comissão abriu oficiosamente um processo relativamente à recorrente. Considerava que dispunha de elementos que a levavam a suspeitar que esta empresa abusava da sua posição dominante no mercado francês de pneus de substituição para veículos pesados, ao impor aos revendedores condições comerciais inequitativas, baseadas nomeadamente num sistema de descontos de fidelidade. Foram transmitidos diversos pedidos de informações pormenorizadas à recorrente, aos seus concorrentes, bem como a revendedores e a importadores de pneus. Além disso, procedeu-se a inspecções nos termos do n.° 3 do artigo 14.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22) junto da recorrente em Junho de 1997.

23. Por carta de 30 de Abril de 1998, a recorrente comprometeu-se perante a Comissão a alterar as suas condições comerciais no mercado francês dos pneumáticos para veículos pesados novos de substituição e recauchutados, a fim de eliminar todos os aspectos da sua política comercial que tinham sido postos em causa pela Comissão.

24. Em 28 de Junho de 1999, a Comissão dirigiu uma comunicação de acusações à recorrente. Esta respondeu, em 8 de Novembro de 1999. A audição da recorrente ocorreu em 20 de Dezembro de 1999.

25. Em 20 de Junho de 2001, a Comissão adoptou a Decisão 2002/405/CE, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 82.° do Tratado CE (COMP/E-2/36.041/PO ─ Michelin) (JO 2002, L 143, p. 1, a seguir "decisão impugnada" ). Na decisão impugnada, a Comissão declara, antes de mais, que os pneus de substituição para veículos pesados englobam dois mercados do produto relevantes, designadamente, o mercado de pneus novos para efeitos de substituição e o mercado de pneus recauchutados. A recorrente ocupa, em França, uma posição dominante nestes dois mercados de produtos.

26. Segundo a Comissão, a recorrente abusou da sua posição dominante nestes dois mercados, ao ter aplicado, em relação aos revendedores em França, uma política comercial e de preços baseada num sistema complexo de descontos, bónus e/ou vantagens financeiras diversas que tinham por principal objectivo assegurar a sua fidelização e a preservação das suas quotas de mercado. São especificamente considerados abusivos os sistemas de descontos instituídos pelas condições gerais, a "convenção PRO" , e a "Convenção de cooperação profissional e de assistência serviço" .

27. O dispositivo da decisão impugnada prevê:

"Artigo 1.°

A Comissão verifica que, no período compreendido entre 1 de Janeiro de 1990 e 31 de Dezembro de 1998, a [recorrente] infringiu o disposto no artigo 82.° do Tratado CE mediante a aplicação de sistemas de descontos com carácter de fidelização aos revendedores de pneus novos para efeitos de substituição, bem como de pneus recauchutados para camiões e autocarros em França.

Artigo 2.°

Pela infracção referida no artigo 1.°, é imposta uma coima de 19,76 milhões de euros à [recorrente].

[...]

Artigo 3.°

A [recorrente] abstém-se de readoptar os comportamentos referidos no artigo 1.° e de adoptar qualquer comportamento com efeito equivalente.

Artigo 4.°

A [recorrente] é a destinatária da presente decisão.

"

Processo

28. Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Setembro de 2001, a recorrente interpôs o presente recurso.

29. Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 3 de Janeiro de 2002, a Bandag Inc. (a seguir "Bandag" ) pediu para ser admitida a intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

30. Por carta de 8 de Fevereiro de 2002, a recorrente pediu que vários elementos confidenciais fossem excluídos dos documentos a ser enviados à Bandag.

31. Por despacho do presidente da Terceira Secção do Tribunal de 28 de Fevereiro de 2002, a Bandag foi admitida a intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Versões não confidenciais dos diferentes documentos dos autos, preparadas pela recorrente, foram enviadas à Bandag.

32. A Bandag apresentou as suas alegações como interveniente, em 21 de Maio de 2002, sobre as quais as partes principais apresentaram observações.

33. Por despacho de 15 de Outubro de 2002, o presidente da Terceira Secção do Tribunal deferiu em parte o pedido de confidencialidade da recorrente. O secretário enviou, em seguida, à Bandag, uma cópia dos elementos dos autos considerados não confidenciais pelo Tribunal.

34. Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Terceira Secção) decidiu dar início à fase oral. A título de medidas de organização do processo, o Tribunal colocou questões escritas às partes principais a que estas responderam nos prazos fixados.

35. Na audiência de 3 de Abril de 2002 foram ouvidas as partes nas suas alegações e nas respostas às perguntas do Tribunal. A Bandag não assistiu à audiência.

36. Na audiência, a Comissão comunicou ao Tribunal as respostas dos revendedores de pneus Michelin aos seus pedidos de informações de 30 de Dezembro de 1996 e de 27 de Outubro de 1997 que, nos termos do artigo 67.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal, não foram comunicadas nem à recorrente nem à Bandag. As partes principais deram o seu acordo expresso, na audiência, a que o Tribunal verificasse a conformidade das respostas dos revendedores com os quadros preparados pela Comissão ao longo do procedimento administrativo, reproduzindo anonimamente as suas respostas.

37. A pedido do Tribunal, a Comissão apresentou, em 24 de Abril de 2003, a correspondência trocada entre a Bandag e a Comissão, entre Outubro e Dezembro de 1996, relativa aos revendedores que dispunham de informações úteis para a sua investigação. Esta correspondência também não foi comunicada à recorrente. As partes principais deram o seu acordo expresso, na audiência, a que o Tribunal verificasse se, como alega a recorrente, a Comissão se limitou a contactar unicamente, ao longo do procedimento administrativo, os revendedores sugeridos pela Bandag.

Pedidos das partes

38. A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

─ anular a decisão impugnada;

─ anular a coima aplicada pela decisão impugnada ou reduzi-la substancialmente, pelo menos;

─ condenar a Comissão nas despesas.

39. A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

─ negar provimento ao recurso;

─ condenar a recorrente nas despesas.

40. A Bandag conclui pedindo que o Tribunal se digne:

─ negar provimento ao recurso;

─ condenar a recorrente nas despesas da intervenção.

O direito

41. A petição contém duas partes. A primeira respeita à alegada ilegalidade da decisão impugnada na medida em que considera provada a infracção ao artigo 82.° CE. A segunda parte trata da alegada ilegalidade da coima aplicada.

1. Quanto à alegada ilegalidade da decisão impugnada na medida em que considera provada a infracção ao artigo 82.° CE

Observações preliminares

42. A recorrente invoca cinco fundamentos baseados em diversas violações do artigo 82.° CE. Os três primeiros dizem respeito, respectivamente, aos bónus de quantidade, aos prémios de serviço e às características do Clube dos amigos Michelin. Com o quarto fundamento, a recorrente contesta a existência de um impacto abusivo adicional resultante da cumulação dos vários sistemas de descontos. Com o quinto fundamento, a recorrente critica a Comissão por não ter procedido a uma análise concreta dos efeitos das práticas colocadas em causa.

43. O Tribunal nota que, através do seu recurso, a recorrente não põe em causa várias considerações da Comissão na decisão impugnada.

44. Assim, a recorrente não contesta a definição dos mercados relevantes adoptada na decisão impugnada, a saber, o mercado francês dos pneumáticos novos de substituição para veículos pesados e o mercado francês dos pneumáticos recauchutados para veículos pesados (considerandos 109 a 171 da decisão impugnada). Também não contesta a consideração de que ocupa uma posição dominante nestes mercados (considerandos 172 a 208 da decisão impugnada).

45. A recorrente também não formula fundamentos específicos contra a análise da Comissão relativa ao carácter abusivo do prémio de progresso (considerandos 67 a 74 e 260 a 271 da decisão impugnada) e da convenção PRO (considerandos 97 a 100 e 297 a 314 da decisão impugnada).

46. Interrogada na audiência sobre a questão de saber como pode o recurso dar lugar à anulação total da decisão impugnada pedida pela recorrente (v. n.° 38 supra ), esta explicou que invocou um fundamento horizontal na sua petição que diz respeito a todas as práticas colocadas em causa pela decisão impugnada. Trata-se do quinto fundamento, baseado na violação do artigo 82.° CE, uma vez que a Comissão não procedeu a uma análise concreta dos efeitos das práticas criticadas (v. n.os  235 a 246 infra ).

47. Assim, se o quinto fundamento do recurso da recorrente não for acolhido, o recurso pode, quando muito, dar lugar à anulação parcial da decisão impugnada e a uma redução do montante da coima.

Quanto ao primeiro fundamento: a Comissão terá violado o artigo 82.° CE ao considerar que os bónus de quantidade constituem um abuso, na acepção desta disposição

Disposição impugnada

48. Nos considerandos 216 e 217 da decisão impugnada, a Comissão explica:

"216. Estes bónus [quantitativos] assumiam a forma de uma redução anual correspondente a uma percentagem da totalidade do volume de negócios (no sector dos veículos pesados, ligeiros de passageiros e ligeiros comerciais) realizado com a Michelin France. Para ser elegível para o efeito, bastava atingir os patamares previstos pelas grelhas neste contexto. O Tribunal de Justiça, no âmbito do primeiro processo relativo à Michelin [...], bem como no âmbito de uma jurisprudência constante e recente, condena a simples prática de concessão de bónus de quantidade por uma empresa em posição dominante sempre que for excedido o prazo razoável de três meses (o que sucede no caso em apreço) porque não equivale a uma política de concorrência normal em matéria de preços. Com efeito, o simples facto de adquirir uma quantidade suplementar ínfima de produtos Michelin faz com que o revendedor possa beneficiar de um desconto sobre a totalidade do volume de negócios realizado com a Michelin, sendo assim superior à remuneração marginal equitativa ou, por outras palavras, à remuneração linear resultante da aquisição suplementar, o que demonstra nitidamente a existência de um forte efeito de incentivo à compra. O Tribunal insiste no facto que um desconto só pode corresponder às economias de escala realizadas pela empresa em virtude das aquisições suplementares feitas pelos consumidores.

217. Além disso, na medida em que estes bónus só eram pagos em Fevereiro do ano subsequente ao da compra dos pneus (prática adoptada unicamente pela Michelin, dado que todos os seus concorrentes desembolsam imediatamente a vasta maioria dos seus descontos), denotam-se [vários] [...] efeitos abusivos.

"

49. Segundo a Comissão, os efeitos abusivos do sistema dos bónus de quantidade eram os seguintes.

50. Em primeiro lugar, a Comissão defende que os bónus de quantidade tinham um carácter inequitativo (considerandos 218 a 225 da decisão impugnada). Explica, a este respeito, que os revendedores se encontravam na impossibilidade de conhecer ao certo o preço de compra final dos pneus Michelin. Com efeito, como "os bónus eram aplicáveis à totalidade do volume de negócios realizado com a Michelin, sendo apenas calculados aproximadamente um ano após o início das primeiras aquisições, os revendedores não dispunham de qualquer possibilidade de conhecerem, antes das últimas encomendas, a que nível se situaria o preço de compra unitário real dos pneus, o que os colocava numa situação de incerteza e de insegurança, levando-os a minimizar os riscos e a privilegiar as suas aquisições realizadas junto da Michelin" (considerando 220 da decisão impugnada). Além disso, segundo a Comissão, "devido à intensidade da concorrência e às reduzidas margens existentes no sector (em torno dos 3,7%, de acordo com as averiguações da Comissão), os revendedores eram obrigados a proceder à revenda com prejuízo, enquanto aguardavam o pagamento dos bónus. Na realidade, o preço pago à Michelin era geralmente superior ao preço imputado pelo revendedor aos utilizadores finais. Assim, o revendedor realizava inicialmente vendas "com prejuízo" . Era somente após o pagamento das diferentes "bonificações" e prémios que este último cobria os seus custos e restabelecia uma certa margem de lucro

" (considerando 218 da decisão impugnada). O sistema colocou desta forma os revendedores numa situação financeira injustificada de débito (considerando 224 da decisão impugnada). Por fim, a Comissão indica que, "atendendo ao desembolso extremamente tardio dos bónus, os revendedores eram obrigados a assumir compromissos quantitativos (no âmbito do prémio de progresso) perante a Michelin, antes mesmo de terem beneficiado dos bónus de quantidade do ano precedente" (considerando 223 da decisão impugnada).

51. Em segundo lugar, os bónus de quantidade tinham um carácter de fidelização (considerandos 226 a 239 da decisão impugnada). A Comissão explica que "qualquer sistema de descontos concedidos em função das quantidades vendidas num período de referência relativamente longo pressupõe o recrudescimento das pressões que recaem sobre o adquirente, no final desse período de referência, no sentido de realizar o volume de negócios necessário para beneficiar da vantagem em causa ou não registar quaisquer prejuízos previsíveis para o período no seu conjunto" (considerando 228 da decisão impugnada). Acrescenta ainda que, para o revendedor, existia interesse em ultrapassar o volume de negócios máximo previsto, "na medida em que tal lhe permitia assinar uma "convenção comercial" com a Michelin, com todas as vantagens inerentes à mesma

" (considerando 230 da decisão impugnada).

52. Em terceiro lugar, os bónus de quantidade tinham um carácter de compartimentação do mercado (considerandos 240 a 247 da decisão impugnada). Segundo a Comissão, os "bónus de quantidade eram exclusivamente aplicáveis às aquisições realizadas junto da Michelin France, desincentivando assim as realizadas no estrangeiro ou junto de importadores. Inversamente, o elevado nível em França da tabela de preços de facturação, antes dos descontos, desincentivava a realização de aquisições neste país por parte de estrangeiros" (considerando 240 da decisão impugnada).

Princípios reguladores da determinação do caráter abusivo de um sistema de descontos aplicado por uma empresa em posição dominante

53. A recorrente afirma que todo o desconto tem um efeito de fidelização, uma vez que incentiva os compradores a comprar mais àquele que lhe oferece o desconto. Para considerar provada uma violação do artigo 82.° CE, a Comissão tinha de provar que os descontos são susceptíveis de prejudicar a prazo a estrutura concorrencial do mercado e de permitir, em definitivo, que se abuse do consumidor. Uma vez que a finalidade do direito da concorrência é precisamente encorajar a concorrência através dos preços, a recorrente considera que um sistema de descontos só pode qualificar-se de abusivo se tiver um efeito de encerramento, ou, noutros termos, se reduzir a mais longo prazo a concorrência e permitir à empresa em posição dominante amortizar os custos gerados pela sua política de descontos.

54. A este respeito, o Tribunal recorda que, segundo jurisprudência consolidada, o conceito de exploração abusiva é um conceito objectivo que visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante susceptíveis de influenciar a estrutura de um mercado, no qual, precisamente em consequência da presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido e que têm por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal de produtos ou de serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 91; de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 70; e de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão, C-62/86, Colect., p. I-3359, n.° 69; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Outubro de 1999, Irish Sugar/Comissão, T-228/97, Colect., p. II-2969, n.° 111).

55. Por conseguinte, se a verificação da existência de uma posição dominante não implica por si mesma qualquer censura em relação à empresa em causa, impõe-lhe porém, independentemente das causas dessa posição, a responsabilidade especial de não atentar, pelo seu comportamento, contra uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (acórdãos Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 57, e Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 112). Do mesmo modo, se a existência de uma posição dominante não priva uma empresa nessa posição do direito de preservar os seus interesses comerciais próprios quando estes estiverem ameaçados, e se essa empresa tem a faculdade, em termos razoáveis, de praticar os actos que julgue adequados à protecção dos seus interesses, esses comportamentos já não são, porém, admissíveis quando têm como objectivo reforçar essa posição dominante e abusar dela (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., p. 77, n.° 189; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T-65/89, Colect., p. II-389, n.° 69; de 8 de Outubro de 1996, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, T-24/93 a T-26/93 e T-28/93, Colect., p. II-1201, n.° 107; e Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 112).

56. Quanto, mais particularmente, à concessão de descontos por uma empresa em posição dominante, resulta de jurisprudência consolidada que um desconto de fidelidade, que é concedido como contrapartida de um compromisso, por parte do cliente, de se abastecer exclusivamente ou quase exclusivamente na empresa em posição dominante, é contrário ao artigo 82.° CE. Tal desconto tende, com efeito, a impedir, através da concessão de vantagens económicas, o abastecimento dos clientes nos produtores concorrentes (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 518; Hoffmann-La Roche/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.os  89 e 90; e Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 71; acórdão BPB Industries e British Gypsum/Comissão, referido no n.° 55 supra , n.° 120).

57. Em termos mais gerais, como salienta, por outro lado, a recorrente, um sistema de descontos que tem um efeito de encerramento no mercado será considerado contrário ao artigo 82.° CE se for aplicado por uma empresa em posição dominante. Por esta razão, o Tribunal de Justiça considerou que um desconto ligado à realização de um objectivo de compras violava também o artigo 82.° CE (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra ).

58. Em geral, considera-se que os sistemas de bónus de quantidade, ligados apenas ao volume de compras efectuado a uma empresa na situação de posição dominante, não têm o efeito de encerramento proibido pelo artigo 82.° CE (v. acórdãos do Tribunal de Justiça Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 71, e de 29 de Março de 2001, Portugal/Comissão, C-163/99, Colect., p. I-2613, n.° 50). Se o aumento da quantidade fornecida se traduzir num custo inferior para o fornecedor, este tem o direito, efectivamente, de fazer beneficiar o seu cliente dessa redução através de uma tarifa mais favorável (conclusões do advogado-geral J. Mischo no processo Portugal/Comissão, já referido, Colect. 2001, p. I-2618, n.° 106). É suposto, portanto, que os bónus de quantidade reflictam os ganhos de eficiência e as economias de escala realizados pela empresa em posição dominante.

59. De onde resulta que um sistema de descontos cuja taxa de redução aumente em função do volume comprado não viola o artigo 82.° CE, a não ser que os critérios e as modalidades de concessão dos descontos demonstrem que o sistema não assenta numa contrapartida economicamente justificada, tendendo antes, tal como no caso de um desconto de fidelização e de objectivo, a impedir o abastecimento dos clientes na concorrência (v. acórdãos Hoffmann-La Roche, referido no n.° 54 supra , n.° 90; Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 85; Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 114; e Portugal/Comissão, referido no n.° 58 supra , n.° 52).

60. Para apreciar o eventual carácter abusivo de um sistema de bónus de quantidade, devem-se, portanto, analisar todas as circunstâncias, nomeadamente os critérios e as modalidades da concessão de descontos e apurar se esses descontos tendem, através de uma vantagem que não assenta em qualquer prestação económica que a justifique, a suprimir ou restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, impedir o acesso ao mercado dos concorrentes, aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes ou reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada (acórdãos Hoffmann-La Roche/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 90; Michelin/Comissão, referido n.° 54 supra , n.° 73; e Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 114).

Carácter abusivo do sistema de bónus de quantidade aplicado pela recorrente

─ Introdução

61. Em suma, a recorrente defende que os bónus de quantidade são verdadeiros descontos de quantidade que uma empresa em posição dominante pode conceder aos seus clientes.

62. A este respeito, o Tribunal recorda que a simples qualificação de um sistema de descontos de "bónus de quantidade" não é susceptível de justificar a concessão de tais descontos face ao artigo 82.° CE. Há, com efeito, que apreciar todas as circunstâncias, nomeadamente os critérios e as modalidades da concessão de descontos, e apurar se esses descontos se destinam, através de uma vantagem que não assenta em qualquer prestação económica que a justifique, a suprimir ou restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, impedir o acesso ao mercado dos concorrentes, aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes ou reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada (v. jurisprudência referida no n.° 60 supra ).

63. Contrariamente aos processos que deram origem aos acórdãos Suiker Unie e o./Comissão (referido no n.° 56 supra ), Hoffmann-La Roche/Comissão (referido no n.° 54 supra ), Irish Sugar/Comissão (referido no n.° 54 supra ), e Portugal/Comissão (referido no n.° 58 supra ), no presente caso a Comissão não considera que o sistema em causa conduza à aplicação, relativamente a parceiros comerciais, de condições desiguais a prestações equivalentes, na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE.

64. Com efeito, resulta, da decisão impugnada que a Comissão considera que o sistema de bónus de quantidade aplicado pela recorrente constitui uma violação do artigo 82.° CE porque é inequitativo, de fidelização e de compartimentação (v. n.os  48 a 52 supra ).

65. Contudo, de forma geral, pode-se inferir da jurisprudência que todo o sistema de bónus de fidelização aplicado por uma empresa em posição dominante cria efeitos de encerramento proibidos pelo artigo 82.° CE (v. n.os  56 a 60 supra ), independentemente da questão de saber se o sistema de bónus é discriminatório ou não. No acórdão Michelin/Comissão (referido no n.° 54 supra ), ao examinar a legalidade da Decisão 81/969/CEE da Comissão, de 7 de Outubro de 1981, relativa a um processo de aplicação do artigo [82.°] do Tratado (IV/29.491 ─ Bandengroothandel Frieschebrug BV/NV Nederlandsche Banden-Industrie Michelin) (JO L 353, p. 33, a seguir "decisão NBIM" ), o Tribunal de Justiça, que não considerou provada a acusação da Comissão segundo a qual o sistema de bónus aplicado pela Michelin era discriminatório, considerou, contudo, que violava o artigo 82.° CE, porque criava um vínculo de dependência dos revendedores relativamente à Michelin.

66. O Tribunal considera que há que examinar antes de mais se a Comissão podia concluir com razão, na decisão impugnada, que o sistema de bónus de quantidade era de fidelização ou, por outras palavras, que procurava vincular os revendedores à recorrente e impedi-los de se abastecerem nos concorrentes da mesma. Como reconhece, aliás, a Comissão, na sua contestação, o alegado carácter inequitativo do sistema estava estreitamente ligado ao seu efeito de fidelização. Além disso, deve considerar-se que um sistema de bónus de fidelização tem, por natureza, um carácter de compartimentação, uma vez que visa impedir o cliente de se abastecer noutros produtores.

─ Carácter de fidelização dos bónus de quantidade

67. A recorrente observa que a equiparação dos bónus de quantidade aos descontos de objectivo, ou seja, de fidelidade, ignora as características fundamentais do sistema criticado, a saber, um sistema constituído por uma escala progressiva de descontos, baseada num número elevado de limiares muito aproximados, em que volumes reduzidos de compras bastam para se ultrapassar o limiar seguinte. Sublinha que os descontos eram calculados em função dos volumes efectivamente adquiridos e que a escala de descontos era degressiva, na medida em que o desconto concedido por cada limiar ultrapassado diminuia com a progressão do comprador na escala. O sistema era, assim, totalmente transparente para o comprador. Trata-se, segundo a recorrente, do tipo de sistema de descontos de quantidade não abusivo. O Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância nunca impuseram um período de referência limitado pelos descontos de quantidade. Em apoio da sua argumentação, a recorrente refere-se, em especial, ao acórdão Portugal/Comissão (referido no n.° 58 supra ).

68. O Tribunal de Primeira Instância recorda que existia uma escala de bónus de quantidade para os pneus "todas as categorias" , com excepção dos pneus "veículos pesados de construção civil" e dos pneus recauchutados, e duas escalas diferentes para estas duas últimas categorias. A decisão impugnada visa unicamente os bónus desde que se apliquem aos pneus novos de substituição para veículos pesados e aos pneus recauchutados para os mesmos veículos.

69. A escala de bónus de quantidade (para todas as categorias) continha, no período de 1990-1996, entre 47 e 54 escalões. A escala de bónus de quantidade que fazia parte das condições gerais de 1995, que é representativa para os outros anos, apresenta-se da seguinte forma:

>lt>6

70. Um quadro semelhante, que constava nas condições gerais de 1995 e continha 18 escalões, regia o que dizia respeito aos pneus recauchutados durante o período de 1990 a 1996. Para o ano 1995, este quadro apresentava-se do seguinte modo:

>lt>7

71. Resulta dos quadros reproduzidos supra que a taxa dos bónus de quantidade aumentava, como salienta a recorrente, em função do volume de negócios com ela realizado. Pode verificar-se uma progressão rápida da taxa nos primeiros escalões, sendo a progressão nitidamente menos rápida nos escalões mais elevados.

72. No seu acórdão Portugal/Comissão (referido no n.° 58 supra , n.° 51), o Tribunal de Justiça considerou que "faz parte da própria essência de um sistema de reduções de quantidades que os maiores compradores ou utilizadores de um produto ou de um serviço beneficiem de preços médios unitários menores ou, o que é a mesma coisa, de taxas médias de redução superiores às concedidas aos adquirentes ou aos utilizadores menos importantes desse produto ou serviço. Importa igualmente observar que, mesmo em caso de progressão linear das taxas de redução de quantidades com um desconto máximo, a taxa média de redução aumenta (ou o preço médio diminui) matematicamente, num primeiro momento, em proporção superior ao aumento das compras e, num segundo momento, em proporção inferior ao aumento das compras, antes de se estabilizar na taxa mínima de redução. O simples facto de o resultado de um sistema de redução de quantidades conduzir a que determinados clientes beneficiem, relativamente a determinadas quantidades, de uma taxa média de redução proporcionalmente maior que outros, por referência à diferença dos respectivos volumes de compras, faz parte deste tipo de sistema e daí não se pode inferir que o sistema seja discriminatório" .

73. Não se pode, contudo, deduzir deste número do acórdão Portugal/Comissão (referido no n.° 58 supra ) que o sistema de bónus de quantidade aplicado pela recorrente deve ser considerado, automaticamente, compatível com o artigo 82.° CE pelo simples facto de a taxa de desconto por pneu aumentar em função das quantidades adquiridas. Com efeito, neste acórdão, o Tribunal examinou a legalidade da Decisão 1999/199/CE da Comissão, de 10 de Fevereiro de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo [86°] do Tratado CE (Processo IV/35.703 ─ Aeroportos portugueses) (JO L 69, p. 31), na qual um sistema de descontos tinha sido considerado discriminatório. Ora, o Tribunal de Justiça quis afirmar no n.° 51 do acórdão já referido que a aplicação de um sistema de bónus de quantidade conduz a uma situação em que os "grandes clientes" beneficiam de uma taxa média de redução maior que os "pequenos clientes" e que este facto não basta "por si só" para se declarar que o sistema é discriminatório.

74. No entanto, segundo jurisprudência consolidada (v. n.os  56 a 60 supra ), um sistema de descontos que procura vincular os revendedores a uma empresa em posição dominante através de vantagens que não se baseiam numa contrapartida económica e impedir que estes revendedores se abasteçam nos concorrentes desta empresa viola o artigo 82.° CE.

75. No caso em apreço, a Comissão infere dos seguintes elementos o carácter de fidelização dos bónus de quantidade: o facto de o desconto ser calculado com base na totalidade do volume de negócios realizado pelo revendedor com a Michelin e o facto de o período de referência aplicado relativamente a este desconto ser de um ano (v. considerandos 216 e 226 a 239 da decisão impugnada).

76. A recorrente afirma, contudo, que a Comissão nunca a censurou, ao longo do procedimento administrativo, por ter aplicado a percentagem do bónus de quantidade à totalidade do volume de negócios realizado pelos revendedores. Trata-se de uma acusação nova e a decisão impugnada deve, portanto, ser parcialmente anulada por violação do direito de defesa.

77. Importa lembrar que a comunicação de acusações deve conter uma exposição das acusações redigida em termos suficientemente claros, ainda que sucintos, para permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento do comportamento que lhes é imputado pela Comissão. Só com esta condição é que a comunicação de acusações pode desempenhar a sua função, nos termos dos regulamentos comunitários, que é fornecer às empresas e às associações de empresas todos os elementos de informação necessários para lhes permitir defenderem-se efectivamente antes de a Comissão tomar uma decisão definitiva (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T-25/95, T-26/95, T-30/95 a T-32/95, T-34/95 a T-39/95, T-42/95 a T-46/95, T-48/95, T-50/95 a T-65/95, T-68/95 a T-71/95, T-87/95, T-88/95, T-103/95 e T-104/95, Colect., p. II-491, n.° 476).

78. Contudo, a recorrente teve que se aperceber, pela leitura da comunicação de acusações, que a Comissão baseava o carácter de fidelização dos bónus de quantidade, nomeadamente, sobre a consideração de que estes bónus eram calculados sobre a totalidade do volume de negócios realizado pelos revendedores com a recorrente. Com efeito, a parte da comunicação de acusações consagrada ao carácter de fidelização dos bónus de quantidade indica, no n.° 197, que "um revendedor não podia assumir o risco de diversificar, a um dado momento, de forma significativa, a sua gama em detrimento da Michelin, uma vez que tal teria comprometido a sua capacidade de atingir um determinado volume para efeitos de desconto, afectando assim fortemente a totalidade do preço de custo dos pneus Michelin adquiridos ao longo do ano" (sublinhado nosso). Quanto aos pneus novos, o n.° 199 da comunicação de acusações recorda a "existência de bónus de quantidade sobre a totalidade do volume de negócios com a Michelin" (sublinhado nosso) e, quanto aos pneus recauchutados, o n.° 200 explica que "as variações da taxa de desconto resultantes de uma última encomenda de produtos recauchutados num exercício repercutiam-se sobre a margem de lucro do revendedor no que se refere à globalidade das vendas de produtos recauchutados ao longo de todo o ano" (sublinhado nosso).

79. Resulta, aliás, da resposta da recorrente à comunicação de acusações que se apercebeu de que um dos aspectos das acusações da Comissão ao sistema dos bónus de quantidade se referia ao facto de a taxa de desconto atingida se aplicar à totalidade do volume de negócios realizado com a recorrente e não só à parcela das quantidades suplementares. Assim, na página 136 da sua resposta, a recorrente tenta demonstrar que a ultrapassagem de um limiar de volume de negócios não tinha mais que um fraco impacto sobre o crescimento da taxa do bónus. Explica que "o exemplo apresentado pela Comissão no n.° 198 da comunicação de acusações é [...] elucidativo: a Comissão evoca a situação de um revendedor cujo volume de negócios anual com a Michelin é de 9 000 FRF, que lhe dá direito a um bónus de 7,5% e que estaria, digamos, sob pressão "considerável" para atingir o escalão superior, a saber, 15 000 FRF, a fim de receber 1% de bónus suplementar sobre o total das compras anuais . A Comissão não parece aperceber-se de que 1% de um volume de negócios de 15 000 FRF representa a muito módica quantia de 150 FRF

" (sublinhado nosso).

80. O argumento da recorrente não tem, pois, suporte nos factos e deve ser rejeitado.

81. Em seguida, quanto à questão de saber se os elementos referidos no n.° 75 supra demonstram que o sistema de bónus de quantidade tem efeitos de fidelização proibidos, deve recordar-se que o Tribunal de Justiça considerou, no acórdão Michelin/Comissão (referido no n.° 54 supra , n.° 81), que "é inerente a qualquer sistema de descontos concedidos em função das quantidades vendidas durante um período de referência relativamente longo que, terminado o período de referência, aumenta para o comprador a pressão no sentido de realizar o volume de compras necessário a fim de obter a vantagem ou de não sofrer a perda prevista para a totalidade do período" . Como sublinha correctamente a Comissão na decisão impugnada (considerando 230), "o que contribuia para um recrudescimento considerável das pressões era o facto de uma última encomenda de pneus para veículos pesados, que permitisse atingir o nível superior do intervalo, se poder repercutir sobre a margem de rentabilidade do revendedor no que se refere às vendas de pneus novos Michelin na sua globalidade, incluindo todas as categorias [...]" .

82. A recorrente sustenta, contudo, que contrariamente ao que afirma a Comissão na decisão impugnada (considerando 216), o juiz comunitário nunca impôs um período de referência limitado a três meses para os descontos de quantidade. A Comissão admitiu sempre, pelo contrário, que os descontos de quantidade fossem calculados numa base anual [Decisão 73/109/CEE da Comissão, de 2 de Janeiro de 1973, relativa a um processo de aplicação dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado CEE (IV/26.918 ─ Indústria europeia do açúcar) (JO L 140, p. 17, n.° 16) e Decisão 91/300/CEE da Comissão, de 19 de Dezembro de 1990, relativa a um processo de aplicação do artigo [82.°] do Tratado CEE (IV/33.133-D: Carbonato de sódio ─ ICI) (JO 1991, L 152, p. 40, n.° 6); Comunicações nos termos do n.° 3 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 referindo-se aos sistemas de descontos aplicados pela British Gypsum (JO 1992, C 321, pp. 9 a 11)]. A recorrente salienta que a pressão exercida para atingir um escalão superior no sistema de descontos colocado em causa no presente processo era sensivelmente menor do que no sistema de desconto de objectivo que foi examinado no processo Michelin/Comissão (referido no n.° 54 supra ). Com efeito, contrariamente à pressão resultante da existência de um único objectivo superior, em que o revendedor tem tudo a perder se não o atingir, o número elevado de limiares, no caso em apreço, garante, por um lado, que o revendedor atinja facilmente o nível necessário para ter direito a um desconto e que passe facilmente a um escalão superior e, por outro, que não se arrisque a perder a totalidade do desconto ao abastecer-se em parte noutros fornecedores. Assinala ainda que quanto mais o revendedor sobe na escala de descontos, menos ganha em desconto suplementar ao ultrapassar cada limiar.

83. Importa notar que, na prática decisória a que a recorrente se refere, a Comissão não se pronunciou sobre a compatibilidade dos sistemas de descontos ligados ao volume de compras anuais efectuadas a uma empresa em posição dominante com o artigo 82.° CE. Nas Decisões 73/109 e 91/300, referidas no número anterior, a Comissão colocou em causa sistemas de descontos de fidelidade concedidos por uma empresa em posição dominante como contrapartida de compromissos de abastecimento exclusivos ou quase exclusivos.

84. Quanto às comunicações da Comissão relativas à política comercial da British Gypsum, referidas no n.° 82 supra , é certo que se deve notar que a Comissão indicou que tinha a intenção de adoptar uma atitude favorável a propósito dos sistemas de descontos caracterizados por um período de referência anual. Contudo, nestas comunicações, a Comissão salientou várias particularidades dos sistemas de descontos aplicados pela British Gypsum que não se verificam no caso em apreço. Assim, os descontos concedidos pela British Gypsum eram determinados com base no volume de negócios anual esperado e não no volume de negócios real. Nestes sistemas, não era efectuado qualquer ajustamento do desconto relativamente a um cliente cujo volume de negócios anual fosse inferior ao inicialmente esperado, o que reduzia sensivelmente a pressão exercida sobre o cliente para que efectuasse compras suplementares à British Gypsum no final do período de referência. Além disso, os descontos da British Gypsum eram concedidos trimestralmente. Antes de 1995, os bónus de quantidade aplicados pela recorrente eram concedidos de uma só vez, no fim do mês de Fevereiro do ano seguinte ao ano de referência. Por fim, a Comissão insistiu, nas comunicações, no facto de os bónus de quantidade aplicados pela British Gypsum se basearem em economias de custos reais para a empresa. Tal justificação não se verifica no caso em apreço (v. n.os  107 a 110 infra ). A recorrente não pode, portanto, basear qualquer argumento nas comunicações da Comissão relativas aos sistemas de descontos aplicados pela British Gypsum.

85. Deve notar-se, em seguida, que, no processo que conduziu ao acórdão Michelin/Comissão, o sistema de reduções controvertido se baseava, tal como no presente processo, num período de referência anual (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 81). Na verdade, contrariamente ao que a decisão impugnada deixa transparecer (considerando 216), o Tribunal de Justiça não julgou formalmente que o período de referência não podia ultrapassar três meses. Contudo, não se pode negar que o carácter de fidelização de um sistema de descontos calculados com base na totalidade do volume de negócios realizado se agrava proporcionalmente à duração do período de referência. Efectivamente, o efeito de fidelização de um sistema de bónus de quantidade é nulo quando os descontos são concedidos sobre a factura em função do volume da encomenda. Se um desconto é concedido pelas compras efectuadas ao longo do período de referência, o efeito de fidelização é menor no caso em que o desconto suplementar se aplica unicamente às quantidades que ultrapassam um certo patamar do que no caso em que o desconto se aplica à totalidade do volume de negócios realizado durante o período de referência. Nesta última hipótese, o ganho que pode ser obtido porque se atingiu um escalão superior repercute-se sobre a totalidade do volume de negócios realizado, enquanto na primeira hipótese, só se repercute sobre a compra suplementar.

86. A recorrente alega, contudo, que a questão de saber se o desconto é calculado com base no volume total das compras ou apenas sobre a compra adicional não é mais do que uma mera questão de forma. Explica, a este respeito, que um desconto de um montante determinado pode sempre exprimir-se, sendo indiferente que o seja como percentagem do "volume adicional" de compras ou como percentagem do "volume total" , sendo certo que a percentagem será mais elevada quando a base do desconto for o volume adicional, relativamente ao caso em que seja o volume total.

87. Este argumento deve ser rejeitado. Com efeito, quando o desconto é concedido "por parcela" , o desconto obtido pela compra de uma unidade suplementar nunca ultrapassa a percentagem prevista para a parcela em questão. Supondo que o quadro reproduzido no n.° 69 supra continha um sistema de bónus de quantidade em que o desconto era calculado "por parcela" , seria de notar que, por exemplo, ultrapassar o patamar dos 30 000 FRF em volume de negócios teria como consequência que, pela compra de unidades que ultrapassassem este limiar de volume de negócios, o revendedor iria beneficiar de um desconto de 9,25%, em vez de 9%. Por outras palavras, o facto de passar de um volume de negócios realizado junto da recorrente de 29 999 FRF para 30 000 FRF faria o revendedor beneficiar, num sistema de descontos calculados "por parcela" , de um desconto suplementar de 0,25% ou de 0,0025 FRF [0,25% de desconto suplementar sobre um montante de 1 FRF]. O interesse de um revendedor em ultrapassar tal limiar é relativamente limitado. Em contrapartida, se, como no caso em apreço, o desconto se aplicar ao volume total de compras, a passagem de um volume de negócios junto da recorrente de 29 999 FRF para 30 000 FRF atribui ao revendedor um desconto suplementar de 75 FRF [0,25% de desconto suplementar sobre um montante de 30 000 FRF], igual a 7 500% do volume de negócios suplementar realizado [75 FRF de desconto suplementar sobre um volume de negócios suplementar de 1 FRF]. O interesse de um revendedor de ultrapassar um limiar suplementar é real, tanto para os limiares que se encontram na base da escala, como o exemplo anterior demonstra, como para os que se situam no seu topo. Com efeito, o facto de passar, por exemplo, de um volume de negócios de 16 384 999 FRF para um volume de negócios de 16 387 000 FRF atribuiria ao revendedor um desconto suplementar de 1 FRF num sistema de descontos "por parcela" [0,05% de desconto suplementar sobre um montante de 2 001 FRF]. No sistema aplicado pela recorrente, o desconto suplementar era de 8 193,5 FRF [0,05% de desconto suplementar sobre um montante de 16 387 000 FRF], ou seja, um desconto suplementar igual a cerca de 410% do volume de negócios suplementar realizado [8 193,5 FRF de desconto suplementar sobre um volume de negócios suplementar de 2 001 FRF].

88. O incentivo à compra gerado por um sistema de bónus de quantidade é, portanto, muito maior quando os descontos forem calculados com base na totalidade do volume de negócios realizado ao longo de um certo período do que no caso em que estes descontos sejam calculados unicamente parcela por parcela. O sistema de bónus de quantidade é de tanto mais fidelização quanto mais longo for o período de referência.

89. Deve ainda salientar-se que no processo que conduziu ao acórdão Portugal/Comissão (referido no n.° 58 supra ), a que a recorrente se refere repetidas vezes para justificar a licitude dos bónus de quantidade examinados no presente processo, a taxa de desconto prevista era aplicável "por parcela" e o período de referência era de um mês.

90. A recorrente chama ainda a atenção para o facto de as variações entre as taxas de desconto para os últimos escalões da escala serem reduzidas.

91. Resulta dos quadros reproduzidos nos n.os  69 e 70 supra que o sistema de bónus de quantidade aplicado pela recorrente continha uma variação significativa das taxas de desconto entre os escalões inferiores e os superiores. É verdade, como salienta a recorrente, que a progressão das taxas de desconto na base da escala era maior que no seu topo (0,05% para os últimos escalões). Sublinhe-se, porém, que o Tribunal de Justiça considerou, no seu acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 81, que "as variações da percentagem do desconto [variando entre 0,2% e 0,4%] devidas a uma última encomenda, mesmo de pequena importância, ao longo de um ano, repercutiam-se na margem de lucro do revendedor sobre as vendas de pneus Michelin para veículos pesados efectuadas em todo o ano. Nestas circunstâncias, mesmo as variações exíguas podiam exercer uma pressão sensível sobre os revendedores" .

92. Além disso, as variações das taxas de desconto não eram tão reduzidas como a recorrente alega. O carácter abusivo do sistema de bónus de quantidade não pode ser apreciado isoladamente. Com efeito, a ultrapassagem do escalão máximo previsto pelos bónus de quantidade permitia ao revendedor assinar uma convenção comercial com a recorrente (v. n.° 51 supra ). O revendedor podia assim beneficiar de um "prolongamento" dos quadros correspondente aos bónus de quantidade, podendo desta forma beneficiar de um desconto suplementar que iria até 2% do volume de negócios.

93. Na sequência de uma questão colocada na audiência, a recorrente contestou, entretanto, pela primeira vez, a afirmação feita nos considerandos 76 e 230 da decisão impugnada, segundo a qual as convenções comerciais ofereciam aos revendedores em causa um "prolongamento" dos quadros dos bónus de quantidade. Segundo a recorrente, o desconto suplementar que se podia obter através da celebração de uma convenção comercial referia-se ao prémio de progresso e não aos bónus de quantidade.

94. Este argumento deve ser rejeitado. Por um lado, a Comissão juntou à sua contestação uma cópia da convenção comercial para o ano de 1994. Ora, o artigo 1.° desta convenção, intitulado "bónus de quantidade" , estipula inequivocamente que a escala de bónus anexa à convenção comercial "completa" a escala de bónus de quantidade das condições gerais e "nela se inclui" . A variação entre a taxa inferior e a taxa superior da escala que se juntou à convenção comercial, que toma como ponto de partida o último escalão dos bónus de quantidade das condições gerais, é de 2%. De onde resulta, portanto, que, na decisão impugnada, a Comissão concluiu correctamente que o prolongamento dos quadros correspondentes aos bónus de quantidade "poderiam implicar uma diferença de até 2% do volume de negócios" (considerando 76). Por outro lado, a recorrente reconheceu no n.° 18 da sua réplica que "a escala a que o revendedor podia aceder ao assinar uma convenção comercial" fazia parte do sistema de bónus de quantidade.

95. Resulta de tudo o exposto que o sistema de bónus de quantidade que contém uma variação significativa das taxas de descontos entre os escalões inferiores e os superiores, caracterizado por um período de referência de um ano e por uma determinação do desconto com base no volume de negócios total realizado ao longo do período de referência, apresenta as características de um sistema de descontos de fidelidade.

96. Na verdade, como salienta a recorrente, toda a concorrência através dos preços e todo o sistema de descontos procuram encorajar o cliente a efectuar compras em maior quantidade no mesmo fornecedor.

97. Contudo, uma empresa em posição dominante tem uma responsabilidade especial de não prejudicar, através do seu comportamento, uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 57). Qualquer concorrência pelos preços não é, portanto, automaticamente legítima (acórdãos AKZO/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 70, e Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 111). Uma empresa em posição dominante não pode, assim, recorrer a outros meios que não os que resultem de uma concorrência pelo mérito (acórdão Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 111).

98. Nestas condições, importa examinar se, apesar das aparências, o sistema de bónus de quantidade aplicado pela recorrente assenta numa prestação económica que a justifique (v., neste sentido, acórdãos Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 73; Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 114; e Portugal/Comissão, referido no n.° 58 supra , n.° 52) ou, por outras palavras, se retribui uma economia de escala realizada pela recorrente devido às encomendas de quantidades elevadas. Com efeito, se o aumento da quantidade fornecida se traduzir por um custo inferior para o fornecedor, este tem o direito de fazer beneficiar o seu cliente dessa redução através de uma tarifa mais favorável (conclusões do advogado-geral J. Mischo no processo Portugal/Comissão, referidos no n.° 58 supra , n.° 106).

99. A este respeito, a recorrente denuncia, antes de mais, o facto de a Comissão ter formulado pela primeira vez na sua contestação (n.os  60 e 100) a crítica segundo a qual os bónus de quantidade não seriam, no caso em apreço, justificados por economias de escala. Não constando esta acusação da comunicação de acusações nem da decisão impugnada, a recorrente defende que todos os argumentos da Comissão a ela referentes devem ser rejeitados por inadmissíveis.

100. Deve recordar-se que, segundo uma jurisprudência consolidada, os bónus concedidos por uma empresa em posição dominante devem assentar numa prestação económica que a justifique (v., acórdãos Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 85; Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 114; e Portugal/Comissão, referido no n.° 58 supra , n.° 52). Um sistema de bónus de quantidade é, portanto, compatível com o artigo 82.° CE se a vantagem concedida aos revendedores for "justificada pelo volume de actividade que implicam e pelas eventuais economias de escala que permitem ao fornecedor realizar" (acórdão Portugal/Comissão, referido no n.° 58 supra , n.° 52).

101. Antes de mais, não se pode deixar de observar, que, na decisão impugnada, a Comissão refere expressamente esta jurisprudência ao explicar "que um desconto só pode corresponder às economias de escala realizadas pela empresa em virtude das aquisições suplementares feitas pelos consumidores" (considerando 216). Após análise, e parafraseando o acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , a Comissão conclui que o sistema dos bónus de quantidade "não assenta[va] em qualquer justificação económica" (considerando 227 da decisão impugnada).

102. De onde resulta que a Comissão não alterou o alcance da decisão impugnada ao alegar, na contestação, que os bónus de quantidade não eram justificados por economias de escala.

103. Em seguida, deve notar-se que também existe concordância entre a comunicação de acusações e a decisão impugnada quanto a este ponto, pelo que a recorrente não pode valer-se de uma violação do seu direito de defesa ao longo do procedimento administrativo.

104. Com efeito, no n.° 195 da sua comunicação de acusações, a Comissão já criticava a recorrente pelo facto de os bónus de quantidade "não assenta[rem] em qualquer justificação económica" .

105. Por fim, há que observar que a recorrente compreendeu perfeitamente esta acusação uma vez que, na sua resposta à comunicação de acusações, afirma que, no caso em apreço, "[a] concessão de bónus [era] [...] economicamente justificada para o produtor que realize economias de escala na fabricação e na distribuição" (p. 129). Do mesmo modo, na audição, a recorrente recordou a licitude de um sistema de bónus de quantidade ao referir-se à "economia de escala na fabricação e na distribuição que resulte da compra de quantidades crescentes" (transcrição da audição, p. 82).

106. Nestas condições, o argumento reproduzido no n.° 99 supra deve ser rejeitado.

107. Importa examinar, em seguida, se a recorrente demonstrou que o sistema de bónus de quantidade, que apresenta as características de um sistema de descontos de fidelidade, assenta numa justificação económica objectiva (v., neste sentido, acórdãos Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 188, e Portugal/Comissão, referido no n.° 58 supra , n.° 56).

108. Há que observar que a recorrente não fornece qualquer indicação concreta a este respeito. Refere apenas "que as encomendas de quantidades elevadas acarretam economias e que o cliente tem o direito a que tais economias se repercutam nos preços que paga" (n.° 57 da petição). Reporta-se, além disso, à sua resposta à comunicação de acusações e à transcrição da audição (n.° 91 da réplica). Longe de demonstrar que os bónus de quantidade se baseavam em economias reais de custo (conclusões do advogado-geral J. Mischo no processo Portugal/Comissão, referidas no n.° 58 supra , n.° 118), a recorrente limita-se a afirmar, de forma geral, que os bónus de quantidade eram justificados por "economias de escala no domínio dos custos de produção e de distribuição" (transcrição da audição, p. 62).

109. Ora, tal argumentação é demasiado geral e não basta para justificar economicamente a escolha das taxas de desconto efectuada para os vários escalões do sistema de bónus criticado (v., neste sentido, acórdão Portugal/Comissão, referido no n.° 58 supra , n.° 56).

110. Resulta de tudo o exposto que a Comissão tinha razão ao concluir, na decisão impugnada, que o sistema de bónus de quantidade controvertido visava, através da concessão de vantagens que não assentavam em qualquer justificação económica, vincular à recorrente os revendedores de pneus para veículos pesados em França. Devido ao seu carácter de fidelização, o sistema de bónus de quantidade era susceptível de retirar aos revendedores a possibilidade de, a qualquer momento, escolherem, livremente e em função da situação do mercado, a mais favorável das ofertas propostas pelos diferentes concorrentes e de mudarem de fornecedor sem prejuízos económicos sensíveis. O sistema de bónus restringia, desta forma, a possibilidade de os revendedores escolherem as suas fontes de abastecimento e dificultava o acesso dos concorrentes ao mercado, sem que a situação de dependência dos revendedores, criada pelo sistema de descontos controvertido, assentasse em qualquer contrapartida economicamente justificada (v. acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 85).

111. A recorrente não se pode servir do carácter transparente do sistema de bónus de quantidade em causa como argumento. Um sistema de bónus de fidelização é contrário ao artigo 82.° CE, seja ou não transparente. Além disso, deve salientar-se que os bónus de quantidade se inscreviam num sistema complexo de descontos, não contestando a recorrente o carácter abusivo de alguns deles (v. n.° 45 supra ). A aplicação simultânea de diferentes sistemas de bónus ─ a saber os bónus de quantidade, o prémio de serviço, o prémio de progresso, e os prémios ligados à convenção PRO e ao Clube dos amigos Michelin ─, que não se obtinham sobre a factura, tornavam impossível para o revendedor o cálculo dos preços exactos de compra dos pneus Michelin no momento em que efectuavam a compra. Esta situação colocou, necessariamente, os revendedores numa situação de incerteza e de dependência relativamente à recorrente.

112. O argumento da recorrente baseado na alegada aprovação do sistema de bónus de quantidade pela Direcção-Geral da Concorrência, do Consumo e da Repressão de Fraudes (a seguir "DGCCRF" ) deve também ser rejeitado. Com efeito, por um lado, os documentos invocados pela recorrente em nada provam a aprovação pela DGCCRF (v. n.os  305 a 308 infra ). Por outro lado, não importa, seja como for, que a concessão dos descontos esteja de acordo com o direito francês ou tenha sido aprovada pela DGCCRF, dado o primado do direito comunitário na matéria e o efeito directo reconhecido às disposições do artigo 82.° CE (acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 1974, BRT e o., 127/73, Colect., p. 33, n.os  15 e 16; e de 11 de Abril de 1989, Ahmed Saeed Flugreisen e o., 66/86, Colect., p. 803, n.° 23; acórdão Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 211). A alegada conformidade do sistema dos bónus de quantidade com o direito da concorrência americano não é também pertinente no presente caso.

113. Resulta do exposto que a Comissão concluiu acertadamente que o sistema de bónus de quantidade aplicado pela recorrente violava o artigo 82.° CE, devido, designadamente, ao seu carácter de fidelização. Não há, portanto, que examinar as partes da decisão impugnada consagradas especificamente ao carácter inequitativo (considerandos 218 a 225 da decisão impugnada) e ao carácter de compartimentação (considerandos 240 a 247 da decisão impugnada) do sistema de bónus de quantidade (v. n.° 66 supra ).

114. De onde resulta que o primeiro fundamento deve ser julgado integralmente improcedente.

Quanto ao segundo fundamento: a Comissão violou o artigo 82.° CE ao considerar que o sistema de prémio de serviço constituía um abuso, na acepção desta disposição

Decisão impugnada

115. No considerando 60 da decisão impugnada, a Comissão explica que o "prémio de serviço" era um incentivo complementar proposto pela Michelin ao comerciante especializado, "para a melhoria do seu equipamento e do seu serviço pós-venda" . No considerando 62 da decisão impugnada descreve o sistema da seguinte forma:

"A percentagem do prémio, fixada no início do ano mediante convenção anual com, o revendedor no âmbito de um documento intitulado "prémio de serviço" dependia da observância dos compromissos assumidos pelo revendedor numa série de domínios. Cada compromisso correspondia a um determinado número de pontos e se fossem excedidos determinados limiares neste contexto, tal conferia o direito a um prémio correspondente a uma percentagem do volume de negócios realizado com a Michelin France (incluindo todas as categorias de pneus, sem distinção). Esta percentagem oscilou entre 0% e 1,5% de 1980 a 1991 e entre 0% e 2,25% de 1992 a 1996.

"

116. A Comissão considerou que o prémio de serviço violava o artigo 82.° CE porque, em primeiro lugar, assumia um carácter inequitativo em virtude das suas modalidades de fixação, em segundo lugar, exercia um efeito de fidelização e, em terceiro lugar, um efeito de vendas vinculadas (considerando 249 da decisão impugnada).

117. Quanto ao carácter inequitativo do prémio de serviço, é explicado no considerando 250 da decisão impugnada: "A concessão de pontos não estava isenta de subjectividade e conferia um poder discricionário à Michelin em matéria de apreciação. Além disso, alguns pontos dependiam da transmissão de informações estratégicas muito precisas sobre o mercado (de 1980 a 1992) que não se revelavam no interesse do revendedor (nenhuma retribuição sob a forma de estudos, por exemplo)."

118. A Comissão acrescenta, no considerando 252 da decisão impugnada, que "algumas rubricas pressupunham, pela sua natureza intrínseca, uma apreciação subjectiva e/ou o número de pontos concedido podia variar "segundo a qualidade do serviço prestado" . Ora, o balanço dos pontos era feito pelo representante da Michelin, que definia igualmente os compromissos e os pontos correspondentes ao exercício em curso. A possibilidade efectiva de que dispunha a Michelin no sentido de, ao longo do ano, diminuir unilateralmente o prémio na eventualidade da não observância dos compromissos, representa um outro elemento que permitia à Michelin submeter as condições impostas aos revendedores à sua apreciação subjectiva. O facto, invocado pela Michelin, de esta possibilidade ter sido raramente aplicada em nada invalida o carácter abusivo da prática

" . A Comissão refere-se, além disso, a algumas respostas fornecidas pelos revendedores de pneus Michelin aos pedidos de informações da Comissão no decurso do procedimento administrativo.

119. O carácter de fidelização do prémio de serviço é descrito da seguinte forma no considerando 254 da decisão impugnada:

"Até 1992, eram atribuídos pontos se o revendedor respeitasse uma percentagem mínima de abastecimento em produtos Michelin. A observância deste compromisso, exigida pela Michelin no quadro do "prémio de serviço" , reforçava profundamente os vínculos entre a Michelin e os revendedores, ao exercer um efeito de fidelização que deve ser considerado como abusivo. Com efeito, pelo menos até 1992 vigorou uma rubrica intitulada "serviços em matéria de produtos novos" que previa a possibilidade de o revendedor obter pontos suplementares caso se abastecesse em produtos novos até uma determinada percentagem, fixada em função da quota regional dos referidos produtos. Ora, na medida em que a obtenção de pontos não dependia de volumes quantitativos mas da observância de uma determinada percentagem fixada em função da quota regional destes produtos, deve concluir-se que se trata de uma variante de um prémio de fidelidade que deve ser considerada abusiva, uma vez que é exigida por uma empresa em posição dominante. Na realidade, esta rubrica representava um incentivo abusivo à promoção de novos produtos Michelin em detrimento de produtos concorrentes.

"

120. Por fim, quanto ao efeito das vendas vinculadas, a Comissão afirma no considerando 256 da decisão impugnada:

"Era atribuído um ponto se o revendedor se comprometesse a proceder sistematicamente à recauchutagem das carcaças Michelin junto desta última. O prémio de serviço representava assim um instrumento que permitia realizar vendas subordinadas, prática abusiva que permitia à Michelin utilizar a sua posição dominante no mercado de pneus novos para veículos pesados a fim de consolidar a sua posição no mercado limítrofe de recauchutagem."

121. Acrescenta ainda, no considerando 257 da decisão impugnada:

"[...] A eventual perda deste ponto e a possível redução do montante total do prémio anual que daí poderia advir traduzia-se num aumento directo do custo unitário de todos os pneus adquiridos à Michelin, uma vez que o revendedor não perdia apenas o prémio relativo aos produtos recauchutados, como também o relacionado com o seu volume de negócios total com a Michelin."

Carácter abusivo do sistema do prémio de serviço

─ Introdução

122. No âmbito deste fundamento, a recorrente afirma, antes de mais, que o seu direito de defesa foi violado no decurso do procedimento administrativo uma vez que não teve acesso às respostas dos revendedores de pneus Michelin aos pedidos de informações da Comissão, de 30 de Dezembro de 1996 e de 27 de Outubro de 1997. Depois, a recorrente observa que a decisão impugnada viola o artigo 82.° CE bem como as características fundamentais do sistema do prémio de serviço, na medida em que defende que o sistema do prémio de serviço , em primeiro lugar, tinha um carácter inequitativo, em segundo lugar, um carácter de fidelização e, em terceiro lugar, um efeito de vendas vinculadas no que respeita aos pneus recauchutados.

─ Quanto à violação do direito de defesa

123. A recorrente denuncia o facto de nunca ter tido acesso, ao longo do procedimento administrativo, às respostas dos revendedores aos pedidos de informações da Comissão. Esta última unicamente lhe terá comunicado os quadros juntos à petição como anexos 10 e 16. Assim, as respostas fornecidas pelos revendedores não podem ser consideradas meios de prova válidos (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151, n.os  23 e segs.; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1995, Solvay/Comissão, T-30/91, Colect., p. II-1775, n.os  58 e segs.). A recorrente considera que devia ter tido acesso aos próprios documentos dos autos, ao longo do procedimento administrativo. Refere-se, a este respeito, aos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão (T-7/89, Colect., p. II-1711, n.° 54), e de 10 de Março de 1992, SIV e o./Comissão (T-68/89, T-77/89 e T-78/89, Colect., p. II-1403, n.os  91 a 95), bem como à comunicação da Comissão relativa às regras de procedimento interno para o tratamento dos pedidos de consulta do processo nos casos de aplicação dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado CE, dos artigos 65.° e 66.° do Tratado CECA e do Regulamento n.° 4064/89 do Conselho (JO 1997, C 23, p. 3). A omissão da Comissão de comunicar os referidos documentos privou a recorrente da possibilidade de verificar se não houve erros na elaboração dos quadros a que teve acesso. Além disso, se tivesse tido conhecimento da identidade dos revendedores alegadamente prejudicados, teria podido conhecer as verdadeiras razões que os levaram a emitir uma eventual opinião crítica a seu respeito.

124. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância recorda que, no que respeita às respostas dadas por partes terceiras aos pedidos de esclarecimentos por parte da Comissão, esta está obrigada a tomar em conta o risco de uma empresa, em posição dominante no mercado, adoptar medidas de retorsão contra os concorrentes, fornecedores ou clientes que colaboraram na instrução levada a cabo pela Comissão (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, C-310/93 P, Colect., p. I-865, n.° 26; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Outubro de 2002, Tetra Laval/Comissão, T-5/02, Colect., p. II-4381, n.° 98).

125. Perante este risco, a recorrente não pode criticar a Comissão por não lhe ter comunicado a identidade dos revendedores que responderam aos pedidos de informações. Importa salientar, a este respeito, que a Comissão unicamente recusou à recorrente o acesso aos elementos das respostas dos revendedores aos pedidos de informações que teriam permitido a sua identificação. Assim, para evitar toda e qualquer identificação pela recorrente dos revendedores em causa, a Comissão comunicou à recorrente um quadro que reproduzia anonimamente as respostas de cada um dos revendedores aos pedidos de informações que lhes tinha enviado (anexos 10 e 16 da petição). Ao elaborar uma versão não confidencial destas respostas, respeitou escrupulosamente as exigências da jurisprudência, que visam equilibrar a protecção das informações confidenciais com a garantia do direito dos destinatários de uma comunicação de acusações de acederem à totalidade do processo (v. acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, referido no n.° 77 supra , n.° 147).

126. Quanto ao argumento baseado na impossibilidade de a recorrente verificar se tinha havido erros na elaboração dos quadros a que teve acesso, deve recordar-se que as partes autorizaram expressamente o Tribunal, na audiência, a proceder a tal verificação (v. n.° 36 supra ). Após exame, o Tribunal observa que os quadros elaborados pela Comissão contêm apenas uma inexactidão material. A percentagem que a marca Michelin representava no volume de negócios do primeiro revendedor referido na questão 2 do pedido de informações de 30 de Dezembro de 1996 situava-se, segundo o quadro da Comissão (anexo 10 da petição), entre 25% e 30%, enquanto, na realidade, era da ordem dos 23,4% (documento 36041-14745). Trata-se de uma inexactidão que não pôde afectar o direito de defesa da recorrente, uma vez que a indicação constante no quadro se aproxima do valor exacto.

127. Em seguida, o exame comparativo das respostas dos revendedores e dos quadros a que a recorrente teve acesso ao longo do processo administrativo demonstra que a recorrente teve acesso a todos os elementos de resposta não confidenciais dos revendedores aos pedidos de informações, com excepção de um excerto da resposta referida no considerando 252 da decisão impugnada. Trata-se do seguinte excerto: "um outro revendedor explica ter sido objecto de medidas de retaliação, designadamente "diminuição brutal de determinados prémios: o prémio de serviço"

" (documento 36041-15166). A recorrente tinha, aliás, sublinhado na sua petição que não tinha tido conhecimento deste elemento ao longo do procedimento administrativo.

128. A Comissão reconhece que, na sequência de um erro administrativo, a recorrente não teve acesso a este elemento da resposta no decurso do procedimento administrativo.

129. A este respeito, deve recordar-se que, de acordo com uma jurisprudência consolidada, a resposta identificada no n.° 127 supra deve ser eliminada enquanto elemento de prova (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, referido no n.° 77 supra , n.° 364, e jurisprudência referida). Esta eliminação conduziria à anulação da decisão impugnada na parte referente ao prémio de serviço e unicamente se a acusação relativa a este prémio só pudesse ser provada por referência a este documento (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, referido no n.° 77 supra , n.° 364, e jurisprudência referida).

130. Resulta da decisão impugnada (considerando 252) que a Comissão refere a resposta em causa unicamente para demonstrar que o prémio de serviço tem um carácter inequitativo. Ora, a Comissão deduz o carácter abusivo do prémio de serviço não apenas do seu carácter inequitativo, mas também do seu carácter de fidelização e do seu efeito de vendas vinculadas.

131. Além disso, resulta da análise que será efectuada a seguir (v. n.os  136 a 150 infra ) que, mesmo afastando a resposta em questão, o carácter inequitativo do prémio de serviço foi demonstrado, de modo suficiente, na decisão impugnada.

132. Por fim, a recorrente afirma que a Comissão só contactou, ao longo do procedimento administrativo, os revendedores sugeridos pela Bandag. Esta situação foi prejudicial para a recorrente.

133. Este argumento deve ser rejeitado. Resulta, com efeito, da correspondência trocada entre a Bandag e a Comissão, entregue ao Tribunal em 24 de Abril de 2003 (v. n.° 37 supra ), que a Bandag sugeriu à Comissão os nomes de seis revendedores que disporiam de informações úteis à investigação da Comissão. Embora todos estes seis revendedores se encontrem entre os destinatários do pedido de informações de 30 de Dezembro de 1996, este foi também enviado a outros treze revendedores. Além disso, nenhum dos revendedores sugeridos pela Bandag consta entre os 20 destinatários do pedido de informações de 27 de Outubro de 1997. Portanto, os nomes dos revendedores indicados pela Bandag só foram utilizados para uma pequena parte dos pedidos de informações.

134. Seja como for, resulta da decisão impugnada que, para fins de determinação da violação do artigo 82.° CE, a Comissão baseou-se, principalmente, nas características dos sistemas de descontos aplicados pela recorrente e não nas respostas dos revendedores aos pedidos de informações. Importa notar, com efeito, que a Comissão se referiu às respostas dos revendedores unicamente para demonstrar a existência de uma posição dominante ─ não contestada pela recorrente ─ (considerando 201 da decisão impugnada) e para demonstrar o carácter inequitativo do prémio de serviço (considerando 252 da decisão impugnada). Como foi já indicado supra , a Comissão deduziu o carácter abusivo do prémio de serviço não só do seu carácter inequitativo, mas também do seu carácter de fidelização e do seu efeito de vendas vinculadas (v. n.° 130 supra ).

135. Resulta do exposto que o argumento baseado na violação do direito de defesa deve ser rejeitado.

─ Quanto ao carácter inequitativo do prémio de serviço

136. Na sua petição, a recorrente refere que o objectivo do prémio de serviço era incentivar os revendedores a melhorar a qualidade dos seus serviços bem como a imagem de marca dos produtos Michelin e dar-lhes, em contrapartida, uma recompensa especial. A recorrente explica que a taxa do prémio de serviço era fixada por convenção anual com o revendedor em função dos compromissos por ele assumidos, definidos e quantificados num anexo das condições gerais. O prémio de serviço não constituía um desconto mas uma remuneração pelos serviços prestados.

137. A este respeito, deve salientar-se que o facto de o prémio de serviço remunerar os serviços prestados pelos revendedores não é relevante no que se refere à questão de saber se o prémio em causa viola o artigo 82.° CE. Com efeito, a verificar-se, como alega a Comissão, que o sistema do prémio de serviço era inequitativo, tinha um efeito de fidelização e um efeito de vendas vinculadas, haveria que concluir que este sistema, aplicado por uma empresa em posição dominante, não corresponde a uma política da concorrência normal através dos preços e que é, consequentemente, proibida pelo artigo 82.° CE.

138. Em seguida, há que notar que a recorrente não nega que a concessão de pontos que davam direito ao prémio de serviço não estava isenta de subjectividade. Observa, contudo, que a qualidade do serviço prestado por um revendedor pode, objectivamente, merecer uma recompensa, ainda que exista alguma subjectividade inerente à apreciação da sua qualidade.

139. O Tribunal verifica que, como os quadros relativos aos prémios de serviço indicam expressamente, o prémio era estabelecido em função da "qualidade de serviço que o revendedor estava em condições de garantir" . A obtenção dos pontos ─ 31 pontos em 35 davam direito ao prémio máximo ─ dependia do respeito pelos vários compromissos assumidos pelos revendedores. Frequentemente, a avaliação do respeito por estes compromissos deixava uma margem de apreciação não negligenciável e discricionária à recorrente. Resulta, por exemplo, do quadro para o ano 1996 que o revendedor podia obter três pontos se "contribu[ísse] positivamente para o lançamento dos novos produtos Michelin" ou se fornecesse à Michelin "informações pertinentes sobre as suas estatísticas e previsões de venda por produto" (sublinhado nosso).

140. Há que recordar que a concessão de um desconto por uma empresa em posição dominante a um revendedor deve assentar numa justificação económica objectiva (acórdão Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 218). A concessão de um desconto não pode depender de uma apreciação subjectiva, por parte de uma empresa em posição dominante, do respeito do revendedor pelos seus compromissos que davam direito ao desconto. Como salienta a Comissão na decisão impugnada (considerando 251), tal apreciação do respeito pelos compromissos permitia à empresa em posição dominante "exercer fortes pressões sobre o revendedor [...] e conferia-lhe a possibilidade de utilizar o mecanismo de forma discriminatória, caso necessário" .

141. De onde resulta que um sistema de descontos aplicado por uma empresa em posição dominante, que lhe deixa uma margem de apreciação não negligenciável e discricionária no que respeita à possibilidade de o revendedor beneficiar do desconto, deve considerar-se inequitativa e constitui uma exploração abusiva, por uma empresa, da sua posição dominante no mercado, na acepção do artigo 82.° CE (v., neste sentido, acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 105). Com efeito, devido à apreciação subjectiva dos critérios que dão direito ao prémio de serviço, os revendedores encontravam-se numa situação de insegurança e não podiam, em geral, prever com exactidão a taxa do desconto de que iriam beneficiar a título de prémio de serviço (v., neste sentido, acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 83).

142. A Comissão corrobora ainda esta conclusão, ao referir-se a três respostas de revendedores, uma das quais deve ser afastada enquanto elemento de prova (v. n.° 129 supra ). As outras duas respostas confirmam a subjectividade de que a recorrente dava provas na aplicação do sistema do prémio de serviço. Os revendedores em questão confirmam, com efeito, que "[a] avaliação é deixada ao critério da Michelin" ou ainda que "[a] Michelin pode, através deste prémio, fazer o que muito bem entende. Sofremos [...] alterações impostas unilateralmente" .

143. Contudo, a recorrente defende que a citação de uma resposta de um revendedor no considerando 252 da decisão impugnada, segundo a qual "[a] Michelin pode, através deste prémio, fazer o que muito bem entende. Sofremos [...] alterações impostas unilateralmente" foi retirada do seu contexto. Conclui-se da resposta integral deste revendedor que, "ao exercer uma pressão sobre a Michelin" e "sem alterar a natureza das [suas] relações [com a Michelin]" , tinha conseguido obter a taxa máxima do prémio.

144. A passagem da resposta do revendedor a que a recorrente se refere diz o seguinte:

"Em 1993, exerci pressão sobre a Michelin. Com efeito, tinha visto o prémio de serviço 1992 de um colega com uma dimensão muito inferior à nossa e que não comercializava produtos para veículos pesados. Recebia uma % de prémio maior. A Michelin alterou então o número de pontos de certos critérios e obtivemos, sem nada mudar em 93: [...] % de prémio de progresso. Em 1995, continuei a exercer pressão sobre a Michelin e, sempre sem alterar a natureza das nossas relações, [...] obtivemos [...] % de prémio de progresso. Continuando em 1996, consegui obter o máximo, ou seja, 2,25%."

145. A passagem referida não oferece, contudo, qualquer apoio à argumentação da recorrente. Confirma, antes, a subjectividade da Michelin na concessão do prémio que é, como salienta a Comissão, "fonte de discriminação dificilmente evitável" (considerando 253 da decisão impugnada).

146. A recorrente critica ainda o facto de a Comissão ter seleccionado duas respostas negativas de revendedores a seu respeito sem mencionar as outras respostas dos revendedores que seriam mais favoráveis ao prémio de serviço.

147. Este argumento deve também ser rejeitado. A subjectividade na concessão do prémio de serviço resulta já das modalidades de fixação deste prémio. Além disso, outros revendedores confirmam: "a Michelin é [a] únic[a] a decidir" e "se não preenchermos os critérios, a Michelin pode suprimir o prémio" ou ainda "possibilidade de redução do prémio ao longo do ano, se houver desrespeito dos compromissos de serviço" . A própria recorrente confirma ainda na sua petição que, "como é óbvio, o prémio não era devido se os revendedores não fornecessem aos utilizadores os correspondentes serviços" (n.° 136 da petição). Ora, era, designadamente, a apreciação do respeito pelos compromissos que dava lugar a uma abordagem subjectiva por parte da Michelin.

148. Por fim, a recorrente observa que, para garantir uma aplicação homogénea do prémio de serviço, elaborou uma nota explicativa intitulada "Nota relativa à utilização do prémio de serviço" .

149. Contudo, de modo algum resulta deste documento que a apreciação da qualidade do serviço prestado pelo revendedor não tivesse um carácter subjectivo. Tratando-se, por exemplo, das informações sobre o mercado que deviam ser fornecidas pelos revendedores, a nota precisa unicamente que "as informações pertinentes [deviam] dizer respeito às estatísticas ou projecções realizadas a partir de elementos quantitativos fiáveis" . Quanto ao serviço "produtos novos" , a nota explica que o revendedor [devia] propô-los "sistematicamente à sua clientela, com argumentação técnica de apoio" . Trata-se de um compromisso cujo respeito é dificilmente controlável e que abre caminho à recorrente para uma apreciação subjectiva.

150. Resulta, portanto, do exposto que a Comissão concluiu acertadamente, na decisão impugnada (considerando 253), que o prémio de serviço tinha um carácter inequitativo, devido à subjectividade que afectava a apreciação dos critérios de que dependia o direito ao prémio, e que este devia ser considerado abusivo na acepção do artigo 82.° CE.

─ Quanto ao carácter de fidelização do prémio de serviço

151. A recorrente observa, antes de mais, que na decisão impugnada (considerando 254), a Comissão só denuncia uma rubrica do sistema do prémio de serviço que teria efeito de fidelização, a saber a rubrica "serviços em matéria de produtos novos" . Tratava-se da possibilidade de o revendedor obter até dois pontos suplementares se se abastecesse de produtos novos da Michelin numa determinada percentagem, fixada em função da quota do mercado regional desses produtos. Ora, esta exigência foi prevista pela última vez nas condições gerais de 1991. Os factos denunciados não existiam, portanto, durante quase todo o período coberto pela decisão impugnada.

152. Importa notar que a Comissão nunca declarou que o compromisso referido no número anterior tinha existido até ao fim do período da infracção. Refere, na decisão impugnada, que "[a]té 1992, eram atribuídos pontos se o revendedor respeitasse uma percentagem mínima de abastecimento em produtos Michelin" (considerando 254 da decisão impugnada).

154. Esta conclusão não tem, no entanto, consequências relativamente à legalidade da decisão impugnada.

155. Com efeito, a recorrente não contesta que a cláusula tenha sido aplicada durante os anos 1990 e 1991. Ora, não se pode efectivamente contestar que a possibilidade de um revendedor obter até dois pontos se se abastecer de produtos novos numa determinada percentagem relativamente à quota de mercado regional destes produtos tem um efeito de fidelização. Como observa a Comissão, "esta rubrica representava um incentivo abusivo à promoção de novos produtos Michelin em detrimento de produtos concorrentes. Era pouco provável que o revendedor assumisse o risco de perder dois pontos, perda essa que poderia acarretar uma redução do montante total do seu prémio anual" (considerando 254 da decisão impugnada), que correspondia a uma percentagem (que podia ir até 2,25%), do seu volume de negócios realizado com a Michelin France em todas as categorias.

156. A conclusão do n.° 153 também não afecta a determinação da duração da infracção, uma vez que o carácter abusivo do prémio de serviço foi inferido do seu carácter inequitativo e que este elemento, por si só, basta para se verificar o abuso de posição dominante cometido pela recorrente (v. n.os  136 a 150 supra ), durante todo o período de aplicação do prémio em causa, isto é, até 1997.

157. A recorrente afirma ainda que resulta das respostas dos revendedores aos pedidos de informações da Comissão que o prémio de serviço não teve qualquer efeito de fidelização.

158. O Tribunal nota, todavia, que as respostas dadas pelos revendedores à questão de saber em que consistia a rubrica "serviços em matéria de produtos novos" eram muito diversificadas. Para alguns, não implicava "compromisso" ; para outros, traduzia-se numa obrigação de armazenagem; para outros ainda, tratava-se de obrigações em matéria de publicidade no ponto de venda ou de promoção. As respostas dos revendedores confirmam assim que a aplicação de critérios avaliados de forma subjectiva conduziram a uma discriminação entre os revendedores.

159. A recorrente alega ainda que era possível ao revendedor atingir o desconto máximo sem ter de aceitar as obrigações que normalmente seriam consideradas de fidelização, uma vez que dos 35 pontos possíveis, bastava obter 31 para atingir a redução máxima.

160. Há que observar que o revendedor podia obter dois pontos se vendesse os novos produtos da Michelin numa proporção superior à quota do mercado regional prevista para estes produtos e um ponto se vendesse os novos produtos Michelin numa proporção igual à quota de mercado regional. Tratava-se de um compromisso que não era dispendioso. O respeito por outros compromissos era frequentemente mais oneroso, como os relativos à qualidade das instalações, o equipamento do ponto de venda e a disponibilidade para a clientela. De qualquer forma, não se pode negar que, através do compromisso em causa, a recorrente procurava impedir, com a concessão de uma vantagem financeira, o abastecimento dos revendedores junto de produtores concorrentes.

─ Quanto ao efeito de vendas vinculadas do prémio de serviço

161. A recorrente recorda que a Comissão observa no considerando 256 da decisão impugnada que "[e]ra atribuído um ponto se o revendedor se comprometesse a proceder sistematicamente à recauchutagem das carcaças Michelin junto desta última" . O respeito por este compromisso valeria apenas 1 ponto em 35, sendo que 31 pontos eram suficientes para obter o pagamento do montante máximo do prémio. Nestas circunstâncias, a recorrente não compreende como podia esta rubrica constituir um instrumento que permitisse realizar vendas vinculadas.

162. O Tribunal nota que resulta dos autos que, a partir de 1992, o revendedor podia obter um ponto suplementar se procedesse sistematicamente à recauchutagem das carcaças Michelin na própria Michelin. Esta condição foi alterada em 1996. As condições gerais para 1996 referem, com efeito, que o revendedor que "[p]rocede sistematicamente à 1.a recauchutagem das carcaças PL Michelin junto desta última = 1 ponto" .

A A recorrente utilizou, portanto, o seu peso económico no sector dos pneumáticos, em geral, e no mercado do pneu novo, em especial, como uma alavanca para garantir que seria escolhida como recauchutadora pelos revendedores. Efectivamente, o respeito por este compromisso podia ─ se os outros critérios também fossem respeitados ─ conduzir a um desconto calculado sobre a totalidade do volume de negócios realizado pelo revendedor com a recorrente. A aplicação desta condição tinha assim um efeito de vendas vinculadas, proibido pelo artigo 82.° CE (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T-83/91, Colect., p. II-755, n.° 137, e jurisprudência referida).

164. Quanto ao argumento baseado no facto de que se tratava de apenas um ponto em 35, deve salientar-se, como faz a Comissão na decisão impugnada (considerando 255), que o compromisso relativo à recauchutagem era um dos mais fáceis de respeitar. O respeito dos outros compromissos era frequentemente mais oneroso, como os relativos à qualidade das instalações, ao equipamento do ponto de venda e à disponibilidade para a clientela. Seja como for, não se pode negar que através da condição em causa a recorrente procurava garantir, por parte dos revendedores, a recauchutagem sistemática dos pneus Michelin. Esta condição destinava-se assim a privar os revendedores da possibilidade de escolha no que dizia respeito à recauchutagem e a barrar o acesso ao mercado dos outros recauchutadores.

165. Por fim, a recorrente observa de maneira geral que a DGCCRF foi favorável ao prémio de serviço. Reporta-se, a este respeito, às actas das reuniões de 7 de Fevereiro e de 23 de Maio de 1991 que ocorreram entre a DGCCFR e a própria recorrente (anexos 8 e 12 da petição). O direito americano da concorrência também não se opunha a tal prémio.

166. Este argumento deve ser rejeitado pelos motivos expostos no n.° 112 supra . Com efeito, por um lado, as actas invocadas pela recorrente em nada provam uma aprovação do prémio de serviço pela DGCCRF. Resulta mesmo da acta da reunião de 23 de Maio de 1991 que a DGCCRF considera que o prémio de serviço "podia ser contestável se se tratasse de uma vantagem concedida de forma global e subjectiva" . Por outro lado, não interessa, de qualquer forma, que a concessão do prémio de serviço esteja de acordo com o direito francês ou tenha sido aprovada pela DGCCRF, dado o primado do direito comunitário na matéria e o efeito directo reconhecido às disposições do artigo 82.° CE (acórdãos BRT e o., referido no n.° 112 supra , n.os  15 e 16; Ahmed Saeed Flugreisen e o., referido no n.° 112 supra , n.° 23; e Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54supra , n.° 211). A alegada conformidade do prémio de serviço com o direito da concorrência americano não é também relevante, no presente caso, para a sua apreciação à luz do artigo 82.° CE.

167. Resulta de tudo o exposto que o segundo fundamento também não pode ser acolhido.

Quanto ao terceiro fundamento: a Comissão violou o artigo 82.° CE ao considerar que o "Clube dos amigos Michelin" constituía um abuso, na acepção desta disposição

Decisão impugnada

168. O "Clube dos amigos Michelin" (a seguir "clube" ), criado em 1990, é composto pelos revendedores de pneus que desejem uma parceria mais estreita com a recorrente. Esta participa do esforço financeiro do revendedor, membro do clube, através, designadamente, de uma contribuição para os investimentos e para a formação, e de uma contribuição financeira de 0,75% do volume de negócios "serviços Michelin" anual.

169. A Comissão distingue três características abusivas do clube.

170. Em primeiro lugar, a Comissão afirma que o clube foi "utilizado pela Michelin como um instrumento para cristalizar, senão mesmo melhorar a sua posição no mercado de pneus novos para efeitos de substituição para veículos pesados" (considerando 317 da decisão impugnada). Refere-se, a este respeito, à partida, à obrigação dos revendedores membros do clube, de "dar[em] destaque à marca Michelin" e resposta à procura espontânea de pneus Michelin dos seus clientes. Explica que, "[s]e for considerado que a procura espontânea de produtos Michelin é muito elevada, uma obrigação deste tipo deve ser forçosamente considerada abusiva, uma vez que visa eliminar directamente a concorrência de outros produtores, assegurar a manutenção da posição da Michelin e limitar o grau de concorrência neste mercado" (considerando 317 da decisão impugnada). Acrescenta que "esta cláusula traduziu-se na obrigação de o revendedor garantir uma determinada quota de mercado relativa aos produtos Michelin ( "temperatura Michelin" ), provavelmente de acordo com um nível variável em função dos revendedores e das regiões, mas que se situava certamente em torno dos [...] (1) % das vendas (unicamente no que se refere ao mercado dos pneus novos

" (considerando 318 da decisão impugnada).

171. Segundo a Comissão, "[a] vontade da Michelin de obrigar os membros do clube a garantir uma "temperatura" Michelin é igualmente evidenciada pela cláusula da convenção que impõe a obrigação de manter existências em produtos Michelin "suficientes para dar uma resposta imediata à procura do cliente" . Com efeito, afirma-se textualmente que poderá ser estabelecida uma grelha de existências personalizada "que terá em conta as seguintes segmentações: mercado local, regional e nacional" e que será expressa "sob a forma de percentagem" . [...] Mas precisamente devido a esta cláusula, [os revendedores] sempre terão existências de produtos Michelin "correspondentes à quota de mercado da Michelin" e não em função das quantidades pretendidas. Daí resultam obstáculos à entrada no mercado por parte de outros fabricantes e a cristalização das quotas do fabricante em causa

" (considerando 321 da decisão impugnada).

172. Em segundo lugar, a convenção clube vincula "os revendedores através de uma série de compromissos que conferem à Michelin um direito de acompanhamento excepcional a nível das actividades dos aderentes e que não se afiguram, de modo algum, justificados, excepto pela vontade da Michelin de controlar a distribuição o mais rigorosamente possível" (considerando 322 da decisão impugnada). Tal é igualmente válido no que se refere à obrigação do membro do clube "de comunicar à Michelin informações financeiras pormenorizadas ou a identidade de todos os detentores do capital social da empresa, bem como a obrigação de manterem a Michelin informada de qualquer circunstância susceptível de afectar o controlo da sociedade e as suas orientações estratégicas" (considerando 323 da decisão impugnada). A Comissão critica ainda outras obrigações impostas aos membros do clube, designadamente o facto de "[o] revendedor deve[r] permitir à Michelin proceder a uma "auditoria" dos pontos de venda, que incide sobre diversos domínios e, sobretudo, [de] deve[r] aceitar os "eixos de progresso" propostos pela Michelin, sob pena de não obter as vantagens financeiras prometidas. Além disso, o revendedor deve participar em diversos programas de dinamização, nomeadamente no sector dos pneus para veículos pesados, e utilizar o material publicitário da Michelin. Por outro lado, o seu pessoal é formado no Centro de Formação Michelin. A evolução das suas actividades, a todos os níveis e, nomeadamente, em termos de investimento, é assim forçosamente influenciada pela Michelin

" (considerando 324 da decisão impugnada). Por fim, a Comissão refere ainda "a obrigação imposta ao revendedor no sentido de fornecer à Michelin as suas estatísticas e previsões em matéria de vendas, discriminadas por categoria e marca, bem como sobre a evolução das quotas de mercado do fabricante" (considerando 325 da decisão impugnada). Esta obrigação concede à Michelin "um "direito de supervisão" a nível da política comercial do revendedor. Na medida em que a Michelin dispõe de um importante pessoal de vendas, responsável por recolher estas informações, o revendedor não poderá de modo algum decidir vender produtos concorrentes sem que a Michelin deixe de inteirar-se de tal facto, Ora, o "clube" exige um espírito de parceria, bem como a observância de volumes e da "temperatura" Michelin

" (considerando 325 da decisão impugnada).

173. Daí resulta, segundo a Comissão, "uma dependência total do revendedor em relação à Michelin, o que exerce forçosamente um efeito de fidelização. Qualquer modificação a nível da política comercial e/ou estratégica poderia suscitar medidas de retaliação por parte da Michelin. Por outro lado, os membros do clube partilham do sentimento de que já não é possível retroceder. Com efeito, seria muito difícil para um membro do clube renunciar não só às contribuições financeiras, mas também a todo o saber-fazer obtido devido ao apoio prestado pelo fabricante em posição dominante" (considerando 326 da decisão impugnada).

174. Em terceiro lugar, a Comissão denuncia o facto de que, "até Outubro de 1995, a convenção de cooperação profissional e de assistência serviço exigia textualmente que o comerciante especializado se comprometesse a efectuar a primeira recauchutagem das carcaças de pneus Michelin para veículos pesados e para veículos da construção civil junto da Michelin" (considerando 329 da decisão impugnada). Trata-se "de práticas de exclusividade que produzem efeitos semelhantes aos das vendas subordinadas e que devem, por conseguinte, ser consideradas como abusivas na acepção do artigo 82.° do Tratado" (considerando 330 da decisão impugnada). Com efeito, segundo a Comissão, "os revendedores estão sujeitos a pressões no sentido de enviarem as suas carcaças à Michelin, uma vez que não desejam comprometer a sua "parceria" com essa empresa e as vantagens daí decorrentes para o conjunto da suas actividades em virtude da recauchutagem, actividade que assume um carácter secundário em relação ao resto das suas actividades no sector dos pneus. O leque de escolha do revendedor é assim limitado, já que não pode enviar as carcaças de pneus Michelin para outras empresas de recauchutagem, as quais se defrontam assim com um entrave abusivo em termos de acesso a este mercado

" (considerando 331 da decisão impugnada).

Observações preliminares

175. Na réplica e na audiência, a recorrente, referindo-se aos n.os  225 e 228 da contestação, observa que a Comissão já não alega que as várias obrigações dos membros do clube constituíam, individualmente, abusos de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE. A Comissão explicou, na contestação, que todas as obrigações constituíam, no seu conjunto, um abuso, dado que estavam ligadas à obrigação de "temperatura" . Trata-se de uma mudança completa da posição da Comissão relativamente à decisão impugnada. Ora, a recorrente refere que nunca impôs uma obrigação de "temperatura" aos seus revendedores. Consequentemente, a nova posição da Comissão confirma a validade das cláusulas, como a obrigação de dar destaque à marca Michelin e a obrigação de os revendedores não desviarem a procura espontânea de pneus Michelin.

176. O Tribunal nota que, no n.° 225 da contestação, a Comissão explica que "a obrigação de "dar destaque à marca Michelin" e de "não desviar a procura espontânea de pneus Michelin" , assim como a obrigação de "temperatura" são aspectos de um único comportamento abusivo: a utilização do clube como instrumento de cristalização das quotas de mercado Michelin

" . O n.° 228 da contestação demonstra que a decisão impugnada se refere à obrigação de manter existências suficientes "como um indício suplementar da existência de uma obrigação de "temperatura"

" .

177. Importa, contudo, observar que a apresentação que a Comissão faz nos n.os  225 e 228 da contestação corresponde perfeitamente à que consta dos considerandos 317, 318 e 321 da decisão impugnada (v. n.os  170 e 171 supra ). Com efeito, tanto na decisão impugnada como na contestação, a Comissão refere-se à obrigação de "dar destaque à marca Michelin" e "resposta à procura espontânea de pneus Michelin" , bem como à obrigação de "temperatura" , para demonstrar uma das três características abusivas do clube, a saber, a sua utilização pela recorrente "como um instrumento para cristalizar, senão mesmo melhorar a sua posição no mercado de pneus novos para efeitos de substituição para veículos pesados" (considerando 317 da decisão impugnada). O argumento deve, portanto, ser rejeitado.

Carácter abusivo das várias características do clube

─ Quanto à qualificação do clube de instrumento de cristalização e de melhoramento da posição da Michelin no mercado de pneus novos de substituição para veículos pesados

178. A recorrente nega a existência de uma obrigação de "temperatura" Michelin imposta aos membros do clube. A Comissão violou as regras relativas à prova ao não fazer prova bastante da existência desta obrigação de "temperatura" e cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que os revendedores membros do clube estavam sujeitos a tal obrigação.

179. Há que notar que a Comissão inferiu a existência de uma obrigação de "temperatura" Michelin de várias provas documentais directas, a saber, uma nota interna da recorrente de 6 de Junho de 1997 intitulada "Alargamento do número de aderentes ao clube" (considerando 315 da decisão impugnada) e os documentos referidos na nota de pé de página n.° 43 da decisão impugnada, todos obtidos ao longo da verificação de 12 de Junho de 1997 efectuada junto da recorrente. Outros elementos confirmam ainda a existência e o conteúdo da obrigação de "temperatura" , a saber, as quotas do mercado Michelin observadas nos revendedores membros do clube (considerando 319 da decisão impugnada) e a obrigação de manter existências suficientes para responder imediatamente à procura do cliente (considerando 321 da decisão impugnada).

180. Importa, portanto, examinar se os vários elementos em que a Comissão se baseia demonstram a existência de uma obrigação de "temperatura" imposta aos aderentes do clube, assim como o seu conteúdo.

181. Há que analisar, antes de mais, as provas documentais em que se baseia a Comissão.

182. A nota interna da Michelin de 6 de Junho de 1997, intitulada "Alargamento do número de aderentes ao clube" (documento 36041-1772 e 1773), refere, como segundo "critério [...] de entrada para o clube" , a "quota de mercado do cliente" . A nota explica: "É, com certeza, um critério que não consta em lado algum, mas que condiciona, entre outras coisas, a entrada no clube" . A nota explica ainda que "[u]m cliente em que representamos [...] (2) % ou mais do seu [volume de negócios] é um parceiro que pode e deve contar com o nosso apoio ao nível da sua parceria. Temos de lhe propor todos os serviços que lhe permitam manter ou desenvolver o seu profissionalismo

" .

183. Importa observar que a nota interna da Michelin de 6 de Junho de 1997 demonstra inequivocamente que um revendedor só podia entrar para o clube se atingisse uma certa quota de mercado em produtos Michelin. Resulta, portanto, desta nota que a "obrigação de deter uma quota de mercado Michelin" ou de "temperatura" Michelin era uma condição a que o acesso ao clube estava sujeito. A nota mostra, além disso, que um revendedor cuja "quota de mercado Michelin" representava [...] (3) % do seu volume de negócios, respeitava esta condição.

184. A recorrente observa, contudo, que o excerto reproduzido no n.° 182 supra é seguido de uma interrogação que demonstra que, no espírito do seu autor, não era claro que uma obrigação de "temperatura" fosse uma condição de acesso ao clube.

185. O excerto a que a recorrente se refere é o seguinte:

"Um cliente com bom potencial, virado para o consumidor, dinâmico e que garante um bom serviço, mas que é um parceiro que só atinge [...] (4) % e com o qual estamos de acordo pode ser membro do clube? Fora das questões comerciais (estratégia local), parece-me importante fornecer à Route [a saber, os representantes comerciais da Michelin] uma posição clara.

"

186. Deve recordar-se que, como demonstra o seu título, o objecto da nota de 6 de Junho de 1997 era reflectir sobre o "alargamento do número de aderentes ao clube" . A nota explica que, "para atingir este objectivo" , é importante "reflectir especialmente sobre dois critérios de entrada no clube" , entre os quais consta a obrigação de uma "quota de mercado Michelin" de um certo nível para o revendedor. Longe de sugerir uma dúvida do autor quanto à existência deste critério de entrada no clube, a interrogação a que se refere a recorrente demonstra unicamente que, no espírito do autor da nota, o nível da "temperatura" podia revelar-se demasiado elevado.

187. Outros documentos confirmam a existência de uma obrigação de "temperatura" Michelin e dão, além disso, indicações sobre o seu nível.

188. Antes de mais, na acta das duas reuniões que um representante da Michelin teve com um revendedor, em 15 e 28 de Fevereiro de 1995 (documento 36041-1515 a 1517), o autor explica que confirmou a este revendedor que desejava entrar para o clube que "a entrada no clube depend[ia] das quotas de mercado" . Este mesmo revendedor foi informado de que "não há clube para [...] (5) % em P[esados] Novos

" mas que, em contrapartida, a Michelin estava "dispost[a] a fazer o que fosse necessário ao longo do ano se as quotas de mercado fossem compatíveis com [as] posições nacionais [da Michelin]" . Além disso, é explicado que o revendedor confirmou "o seu desejo de realizar os objectivos e de entrar para o clube" , que, segundo ele, era "a única forma de aumentar [as suas] remunerações na Michelin" .

189. Esta acta confirma, portanto, inequivocamente a existência da obrigação de deter uma quota de mercado ou de "temperatura" Michelin como condição de adesão ao clube. Além disso, resulta desta acta que "as quotas de mercado [deviam ser] compatíveis com [as] posições nacionais" . Uma vez que não se conclui que a Michelin dispunha, na época dos factos controvertidos, de uma quota de mercado superior a [...] (6) % no mercado dos pneus novos de substituição para veículos pesados (considerandos 176 a 178 da decisão impugnada), pode deduzir-se desta nota que a "temperatura" Michelin para estes pneus era também superior a este valor.

190. Em seguida, uma acta de uma reunião que ocorreu em 1996 entre um representante da Michelin e um revendedor (documento 36041-1545 e 1546) demonstra que os pontos seguintes foram discutidos no seu decurso:

"a) O porquê do clube.

b) O objectivo do clube.

c) Os meios.

d) As quotas de mercado.

"

191. A acta explica: "[O revendedor] aprecia a estrutura do clube e o objectivo pretendido. A quota de mercado é hoje um entrave à entrada no clube, mas [o revendedor] vai reflectir sobre as possibilidades na Mi[chelin], porque não consegue imaginar uma aproximação a outro fabricante que não a Michelin."

192. Uma nota, datada de 26 de Novembro de 1996, proveniente de um dos destinatários da acta referida no n.° 190 supra e relativa ao mesmo revendedor (documento 36041-1547), menciona uma visita do autor da nota, representante da Michelin, a este revendedor no dia da redacção da nota. Esta fornece, de início, uma indicação da "temperatura" Michelin observada na época pelo revendedor em questão: "T° M tem [...] (7) %

" . A nota explica que uma "reformulação da oferta existente, (supressão de uma ou mesmo duas marcas de 2.a linha) e um trabalho DPV [Dinamização dos Pontos de Venda] destinados a deslocar as vendas para os produtos mais nobres, saindo do condicionamento dos preços deve permitir-nos ganhar 10 pontos de T°" . Segundo o autor da nota, o revendedor "está consciente de que tem de evoluir, tornar-se mais profissional, fidelizar" e o autor explica que confirmou, relativamente ao revendedor, o "desejo [da Michelin] de o integrar no início de 1998, após um exercício 97 que lhe permita chegar à quota de mercado pretendida ([...] (8) % M)

" . Entretanto, o revendedor, que esperava poder entrar para o clube já em 1997, estava "profundamente desiludido" . O autor da nota, depois de ter recordado que o revendedor em causa é "um homem de palavra ligado aos mesmos valores que [a Michelin]" , propõe a esta última "rever [a sua] posição integrando-o logo em 97, por 1 ano, com os objectivos precisos de T %, [...] (9) % no fim de [Julho], [...] (10) % no fim de 97 [o que] permite [...] segurar o homem [na Michelin]

" .

193. Importa notar que resulta claramente dos dois documentos examinados nos n.os  190 a 192 supra que uma quota de mercado ou "temperatura" Michelin de um certo nível era uma condição de adesão ao clube. Efectivamente, no caso do revendedor em questão, a sua quota de mercado era um "entrave à entrada no clube" . A "temperatura" mínima situava-se em cerca de [...] (11) %.

194. Por fim, uma nota manuscrita de 30 de Janeiro de 1996 de um representante da Michelin (documento 36041-1564 e 1565) confirma, novamente, a existência de uma obrigação de "temperatura" Michelin. A nota refere o início, relativamente a um revendedor, "das diligências para entrada no clube dos profissionais (horizonte 96-97) acompanhadas de uma progressão [dos] PdM e [das] vendas ao cliente" . A nota fixa o "Obj. PdM entrada no clube" em [...] (12) % para ligeiros de mercadorias/ligeiros de passageiros e em [...] (13) % para veículos pesados. A "temperatura" Michelin situa-se, portanto, segundo esta nota, em [...] (14) % para os pneus para veículos pesados.

195. Resulta da análise exposta que a recorrente impunha, como condição de entrada no clube, o preenchimento, pelo revendedor, de uma quota de mercado ou "temperatura" Michelin. Só não se pode concluir dos documentos já referidos, com exactidão, a percentagem precisa da quota de mercado Michelin imposta. É, aliás, possível que este nível fosse variável em função dos revendedores e das regiões (v. considerando 318 da decisão impugnada). Mas pode razoavelmente concluir-se dos documentos já referidos que a quota de mercado mínima para a adesão ao clube era superior a [...] (15) %.

196. De onde resulta, portanto, que as provas documentais examinadas nos n.os  182 a 194 supra demonstram, por si, a existência de uma obrigação de "temperatura" para os revendedores que quisessem aderir ao clube. Em contrapartida, não se pode concluir com base unicamente nestes documentos que o nível da "temperatura" se situava "certamente em torno dos [...] (16) % das vendas

" , como alega a Comissão no considerando 318 da decisão impugnada. Há que examinar posteriormente se os outros elementos em que a Comissão se baseia na decisão impugnada demonstram a existência de uma obrigação de "temperatura" a este nível elevado.

197. Segundo a recorrente, não há que dar importância às provas documentais já referidas. Trata-se de declarações isoladas que, além disso, são contrariadas pelas respostas dos revendedores aos pedidos de informações da Comissão. Com efeito, todos os revendedores, com excepção de dois, declararam não ter estado sujeitos a qualquer compromisso em termos de "temperatura" Michelin.

198. O Tribunal recorda, antes de mais, que os cinco documentos acima examinados foram redigidos por representantes da recorrente e pode, portanto, considerar-se que provêm da própria recorrente. Ora, os cinco documentos em questão confirmam a existência de uma política prosseguida pela Michelin na perspectiva da adesão dos revendedores ao clube, isto é, a imposição de uma obrigação de "temperatura" Michelin.

199. Em seguida, há que notar que dois revendedores confirmam, na sua resposta aos pedidos de informações da Comissão, a existência de uma obrigação de "temperatura" . Assim, um revendedor precisa: "A temperatura para os Ligeiros de Passageiros preconizada pela Michelin era de [...] (17) %. A temperatura para os Veículos Pesados Novos era de cerca de [...] (18) %.

" O outro revendedor explica: "A temperatura não é oficial mas é certo que é primordial para se fazer parte do clube. Baseia-se em quotas de mercado/vendas."

200. Na verdade, certos revendedores negam que o facto de se pertencer ao clube tenha implicado compromissos em termos de quotas de mercado. Contudo, esta declaração não é susceptível de contrariar a força probatória dos cinco documentos acima referidos, provenientes da Michelin e que exprimem claramente a sua política comercial. Aliás, a resposta destes revendedores não é de modo nenhum surpreendente, se tivermos em conta o facto de que a obrigação de "temperatura" era "exactamente sobre um critério que não consta em lado algum" (nota interna da Michelin de 6 de Junho de 1997 intitulada "Alargamento do número de aderentes ao clube" ). Um revendedor avança uma explicação evidente para a resposta negativa à questão de saber se pertencer ao clube implica compromissos em termos de quotas de mercado. Indica: "De facto, nas regiões em que estamos implantados [...], a procura de produtos Michelin sempre foi grande e a escolha da nossa empresa nunca foi ir contra essa procura. Assim, a nossa "temperatura" Michelin sempre foi, certamente, considerada boa por este fornecedor e nenhum pedido nos foi formulado, fosse em que categoria fosse.

"

201. Em seguida, deve ser observado que, na decisão impugnada, a Comissão fixa o nível da "temperatura" em cerca de [...] (19) % referindo-se, designadamente, à quota de mercado média, em pneus Michelin, dos membros do clube, que seria de [...] (20) % (enquanto até a quota de mercado da Michelin dos comerciantes especializados independentes rondava apenas os [...] (21) %) (considerando 319 da decisão impugnada).

202. A recorrente afirma que mesmo que a percentagem se revelasse correcta, podia simplesmente reflectir factos independentes de qualquer obrigação de "temperatura" Michelin. Seja como for, no que respeita ao cálculo da quota de mercado Michelin dos membros do clube na decisão impugnada (considerando 319), a recorrente defende que a Comissão não faz qualquer precisão quanto ao método de cálculo que lhe terá permitido obter o valor de [...] (22) %. A recorrente afirma que, contrariamente ao que alega a Comissão, mais de 31% dos revendedores do clube interrogados não atingiram o pretenso limiar de [...] (23) % em pneumáticos Michelin para veículos pesados.

203. É verdade que a Comissão não explica como calculou a quota de mercado de [...] (24) %. Contudo, como foi observado supra , a existência de uma obrigação de "temperatura" como condição de adesão ao clube resulta inequivocamente dos cinco documentos analisados nos n.os  182 a 194 supra . A questão de saber se esta "temperatura" se situava a um nível de [...] (25) % ou de [...] (26) % não tem importância para a apreciação da legalidade da decisão impugnada. Efectivamente, o que a Comissão denunciou, referindo-se à obrigação de "temperatura" , é o facto de a Michelin ter utilizado o clube como "instrumento para cristalizar, senão mesmo melhorar a sua posição no mercado de pneus novos para efeitos de substituição para veículos pesados" (considerando 317 da decisão impugnada).

204. Ora, resulta claramente dos documentos examinados nos n.os  182 a 194 supra que a obrigação de "temperatura" foi imposta nesta óptica. Efectivamente, estes documentos demonstram que os revendedores em causa foram obrigados a aumentar consideravelmente a sua "temperatura" Michelin para poderem entrar para o clube, uma vez que tal entrada era entendida como "a única forma de aumentar [as] remunerações na Michelin" (v. nota referida no n.° 188 supra ). Resulta mesmo explicitamente da nota datada de 26 de Novembro de 1996 (v. n.° 192 supra ) que a Michelin propôs aos revendedores, para aumentar a sua "temperatura" , rever os produtos que oferecem e suprimir os produtos de outras marcas.

205. Quanto à obrigação de manter existências de produtos Michelin, a recorrente refere que a Comissão baseia a sua tese na possibilidade de se estabelecer uma "grelha de existências personalizada" , "que terá em conta as seguintes segmentações: mercado local, regional e nacional" . Nesta base, a Comissão conclui na decisão impugnada (considerando 321): "Afigura-se assim que esta grelha é estabelecida em função das quotas de mercado da Michelin ou, pelo menos, das quotas que deseja obter." Ora, segundo a recorrente, resulta da decisão impugnada (considerando 321) que a tese da Comissão se baseia numa pura suposição ( "afigura-se assim" ). A recorrente afirma que nunca estabeleceu grelhas de existências personalizadas. Além disso, todos os revendedores interrogados pela Comissão atestaram nunca terem negociado uma grelha de existências personalizada com a recorrente.

206. A recorrente contesta ainda o facto de a Comissão ter qualificado de abusiva a obrigação dos membros do clube de darem destaque à marca Michelin. Trata-se simplesmente da obrigação de o revendedor instalar nos seus pontos de venda a publicidade fornecida. A Comissão considerou no passado que tal obrigação não era abusiva [v. Decisão 2000/74/CE da Comissão, de 14 de Julho de 1999, relativa a um processo nos termos do artigo 82° do Tratado CE (IV/D-2/34.780 ─ Virgin/British Airways) (JO 2000, L 30, p. 1)]. A obrigação de não desviar a procura espontânea de pneus Michelin resulta, como é normal, do princípio da lealdade que incumbe a qualquer distribuidor e que lhe impõe não denegrir o produto que é suposto distribuir.

207. O Tribunal recorda que a Comissão considera na decisão impugnada (considerando 321) que "a vontade da Michelin de obrigar os membros do clube a garantir uma "temperatura" Michelin é igualmente evidenciada pela cláusula da convenção que impõe a obrigação de manter existências em produtos Michelin suficientes para dar uma resposta imediata à procura do cliente

" (v. artigo 6.1 da convenção clube). É, além disso, dito textualmente na convenção clube que uma grelha de existências personalizada poderá ser elaborada "t[endo] em conta as segmentações [...] mercado local [...], regional e [...] nacional" .

208. Tendo em conta o facto de um revendedor dever obter uma certa e elevada quota de mercado em produtos Michelin para poder entrar para o clube, deve observar-se que uma cláusula que o obrigue a manter existências suficientes em produtos Michelin para satisfazer imediatamente a procura do cliente é um meio de consolidar a posição dominante da recorrente no mercado em causa. Além disso, a possibilidade prevista pela Michelin na convenção clube de estabelecer uma grelha personalizada ─ ainda que todos os revendedores interrogados pela Comissão afirmem que tal grelha nunca foi estabelecida ─ confirma que as obrigações de armazenagem foram impostas pela recorrente na convenção clube no âmbito de um plano que tinha por finalidade consolidar as suas quotas de mercado e entravar a entrada no mercado dos outros produtores de pneus (v., neste sentido, acórdão AKZO/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 72).

209. Quanto às obrigações dos membros do clube de darem destaque à marca Michelin e de não desviarem a procura espontânea de pneus Michelin, deve salientar-se que, contrariamente à apresentação feita na petição, as obrigações em questão não foram denunciadas isoladamente pela Comissão na decisão impugnada. A Comissão referiu-se, efectivamente, a estas duas obrigações, conjugadas com a obrigação de "temperatura" , para concluir que o clube foi "utilizado pela Michelin como um instrumento para cristalizar, senão mesmo melhorar a sua posição no mercado de pneus novos para efeitos de substituição para veículos pesados" (considerando 317 da decisão impugnada).

210. Ora, no caso em apreço, tendo em conta o facto de que um revendedor não podia entrar para o clube a menos que atingisse uma certa e elevada quota de mercado em produtos Michelin, e que este revendedor, uma vez membro do clube, devia conceder destaque à marca Michelin, não podia desviar a procura espontânea de produtos Michelin e devia manter existências suficientes para responder imediatamente a esta procura espontânea, a Comissão concluiu acertadamente que todas estas condições visavam "eliminar directamente a concorrência de outros produtores, assegurar a manutenção da posição da Michelin e limitar o grau de concorrência n[o] mercado" dos pneus novos de substituição para veículos pesados (considerando 317 da decisão impugnada). O revendedor era, de facto, incentivado a cumprir estas obrigações, uma vez que pertencer ao clube implicava numerosas vantagens não contestadas pela recorrente (considerandos 104 a 106 da decisão impugnada).

211. Não existe, além disso, qualquer incompatibilidade entre a análise feita pela Comissão na decisão impugnada e a que foi feita na Decisão 2000/74 (referida no n.° 206 supra ). Nesta decisão, a Comissão declarou que a British Airways tinha infringido o artigo 82.° CE ao aplicar regimes de comissão e outros incentivos a agências de viagens junto das quais adquiria os seus serviços aéreos das agências de viagens no Reino Unido (artigo 1.°). Ora, um dos sistemas de incentivo visados pela referida decisão era o dos acordos de marketing ( "Marketing Agreements" ) que incluíam, para as agências de viagens, a obrigação de dar destaque aos produtos da British Airways e, mais em geral, a obrigação de não reservar à British Airways um tratamento menos favorável que o concedido a qualquer outro transportador (v. n.os  6 e 19 da Decisão 2000/74). A Comissão considerou que estas cláusulas, mesmo não sendo em si próprias abusivas, deviam ser consideradas proibidas pelo artigo 82.° CE porque reforçavam ─ como no caso em apreço ─ o efeito do sistema de descontos denunciado (n.° 104 da Decisão 2000/74).

212. Com base em tudo o exposto, há que concluir que a Comissão, na decisão impugnada, considerou correctamente que "o "clube" foi utilizado pela Michelin como um instrumento para cristalizar, senão mesmo melhorar

" a sua posição no mercado em causa (considerando 317 da decisão impugnada). Uma vez que uma empresa em posição dominante tem uma responsabilidade especial de não prejudicar, através do seu comportamento, uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 57), a Comissão qualificou acertadamente os esforços da recorrente para utilizar o clube com os fins já referidos, de abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE.

─ Quanto às obrigações de informação e de respeito pelos eixos de progresso

213. A recorrente afirma que as informações pedidas aos revendedores não tinham carácter excepcional. Mesmo uma empresa em posição dominante tem o direito de verificar a situação dos seus distribuidores a fim de gerir da melhor forma a sua rede de distribuição e limitar os pagamentos em atraso. A maior parte das informações em causa, são, aliás, públicas.

214. As informações organizacionais foram pedidas para permitir à recorrente avaliar as características dos pontos de venda, com o objectivo de propor aos revendedores em causa alterações ou melhoramentos. As informações solicitadas são comparáveis às inerentes a qualquer forma de franquia, que foram reconhecidas como legítimas pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 28 de Janeiro de 1986, Pronuptia (161/84, Colect., p. 353, n.° 17), e depois pela própria Comissão no Regulamento (CEE) n.° 4087/88, de 30 de Novembro de 1988, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado a certas categorias de acordos de franquia (JO L 359, p. 46). Resulta, além disso, das respostas dos revendedores aos pedidos de informações da Comissão que as informações por eles fornecidas eram muito gerais. Quanto às auditorias dos pontos de venda e aos eixos de progresso propostos (considerando 324 da decisão impugnada), a recorrente defende que tinham também por finalidade assistir o revendedor no melhoramento dos seus pontos de venda.

215. O Tribunal recorda que a convenção clube impõe ao revendedor várias obrigações de informação assim como uma obrigação de respeito pelos eixos de progresso propostos pela recorrente. O revendedor compromete-se a comunicar à recorrente não só o balanço e a conta dos resultados, mas também "a pormenorização do volume de negócios e das prestações de serviços" (anexo I da convenção clube). O revendedor deve ainda comunicar à recorrente "a identidade de todos os detentores directos ou indirectos do capital da empresa que dirige e [deve manter] a Michelin informad[a] de toda e qualquer circunstância susceptível de afectar o controlo da sociedade titular dos fundos de comércio e/ou as suas orientações estratégicas" (anexo I da convenção clube). O revendedor deve também comunicar à Michelin "as suas estatísticas e previsões de venda" (artigo 6.°2 da convenção clube). Não se contesta que estas estatísticas e previsões incidam sobre a evolução das vendas, discriminadas por categoria e marca, bem como sobre a evolução das quotas de mercado da Michelin dos revendedores (considerando 325 da decisão impugnada e documento n.° 36041/2726). Por fim, a Michelin tem o direito de efectuar auditorias aos pontos de venda do revendedor (artigo 1.°1 da convenção clube). Tal auditoria "permitirá a determinação pelo [revendedor] e pela Michelin de um compromisso anual de progresso num ou [noutro] domínio [...] ou de qualquer outro eixo de progresso proposto e aceite conjuntamente. A realização deste compromisso, devidamente verificado pelos representantes da Michelin, condicionará o pagamento anual de um prémio de 0,75% do montante do Volume de Negócios em Serviços" (artigo 1.°1 da convenção clube).

216. Importa notar, antes de mais, que, contrariamente ao que a recorrente alega, as obrigações impostas aos revendedores ultrapassam em muito as obrigações de informação que podem ser impostas no âmbito de um acordo de franquia nos termos do Regulamento n.° 4087/88. Efectivamente, o artigo 3.°, n.° 2, do referido regulamento refere como únicas obrigações de informação compatíveis com o artigo 81.°, n.° 1, CE a obrigação do franqueado "comunicar ao franqueador qualquer experiência obtida na exploração da franquia e conceder-lhe, bem como aos outros franqueados, uma licença não exclusiva relativamente ao saber-fazer decorrente daquela experiência" e a obrigação de "informar o franqueador das violações dos direitos de propriedade industrial ou intelectual" . Seja como for, a análise que pode reservar-se à convenção clube na perspectiva do artigo 81.°, n.° 1, CE não é pertinente no âmbito da apreciação das obrigações de informação impostas aos revendedores na perspectiva do artigo 82.° CE (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Março de 2000, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, C-395/96 P e C-396/96 P, Colect., p. I-1365, n.os  30 e 130 a 136, e de 6 de Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, referido no n.° 124 supra , n.° 11; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1990, Tetra Pak/Comissão, T-51/89, Colect., p. II-309, n.° 25).

217. Em seguida, há que lembrar que uma empresa em posição dominante tem uma responsabilidade especial de não prejudicar, através do seu comportamento, uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 57). Tendo em conta o facto de as obrigações referidas no n.° 215 supra permitirem à recorrente obter elementos de informação pormenorizados sobre as actividades dos membros do clube, há que examinar se estas obrigações são objectivamente justificadas (v., neste sentido, acórdãos Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 73; Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 114, e Portugal/Comissão, referido no n.° 58 supra , n.° 52).

218. A este respeito, a recorrente refere-se à necessidade de gerir da melhor forma a sua rede de distribuição e evitar as facturas por pagar. Estas obrigações também permitem à recorrente avaliar as características dos pontos de venda dos revendedores em causa com o propósito de lhes propor alterações ou melhoramentos.

219. Importa, contudo, notar que, com estes argumentos, a recorrente mais não faz do que admitir a conclusão a que a Comissão chegou na decisão impugnada, isto é, que as obrigações de informação impostas ao revendedor assim como a sua obrigação de respeitar os eixos de progresso propostos pela Michelin traduzem somente a vontade da Michelin controlar a distribuição o mais rigorosamente possível (considerando 322 da decisão impugnada). Embora algumas das informações solicitadas sejam públicas (isto é, o balanço e a conta dos resultados), a maior parte delas não o são. O único objectivo pretendido pela recorrente ao impor aos revendedores as obrigações de comunicação de informações pormenorizadas sobre o volume de negócios, sobre as estatísticas e previsões de venda, sobre as orientações estratégicas e a evolução das quotas de mercado Michelin é obter informações sobre o mercado que não são públicas e que são preciosas para a condução da sua própria estratégia comercial (v., neste sentido, acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 107). Além disso, o direito de observação pormenorizada e excepcional que a recorrente obtém sobre as actividades dos aderentes ao clube só pode aumentar a dependência dos aderentes do clube relativamente à Michelin, que recebem, como contrapartida do cumprimento das obrigações, vantagens financeiras (considerandos 104 a 106 da decisão impugnada). Efectivamente, os revendedores deixam de poder aumentar a quota de mercado de produtos de marcas concorrentes sem que a Michelin o saiba.

220. As obrigações referidas no n.° 215 supra visam, portanto, controlar os aderentes do clube, vinculá-los à recorrente e eliminar a concorrência dos outros produtores. Logo, foi acertadamente que a Comissão qualificou estas obrigações de abusivas, na decisão impugnada.

─ Quanto à obrigação de realizar na própria Michelin a primeira recauchutagem das suas carcaças

221. A recorrente afirma que a obrigação de realizar na Michelin a primeira recauchutagem das suas carcaças foi abolida em 1995 e que, antes desta data, o respeito por esta obrigação nunca foi fiscalizado. Isto seria confirmado pelas respostas dos revendedores aos pedidos de informações da Comissão. Quanto à afirmação da Comissão segundo a qual a recorrente "ameaçou recusar a entrada no clube aos revendedores que pretendiam colaborar com empresas de recauchutagem concorrentes" (considerando 329 da decisão impugnada), a recorrente observa que a Comissão não refere qualquer documento em apoio desta afirmação.

222. Importa notar que a recorrente não contesta que "até Outubro de 1995, a convenção [clube] exigia textualmente que o comerciante especializado se comprometesse a efectuar a primeira recauchutagem das carcaças de pneus Michelin para veículos pesados e para veículos da construção civil junto da Michelin" (considerando 329 da decisão impugnada).

223. Em resposta à argumentação da recorrente segundo a qual nunca fiscalizou o respeito por esta exigência, a Comissão indica na decisão impugnada que isso não invalida que "a grande maioria das recauchutagens realizadas pelos revendedores pertencentes ao clube foram efectuadas pela Michelin, incluindo após 1996" . A recorrente não contesta esta afirmação, que é, aliás, confirmada pelas declarações dos revendedores.

224. A obrigação imposta aos aderentes do clube de realizarem na Michelin a primeira recauchutagem viola o artigo 82.° CE, uma vez que constitui, para os outros recauchutadores, como nota a Comissão no considerando 331 da decisão impugnada, "um entrave abusivo em termos de acesso a[o] mercado" .

225. Esta conclusão não é contrariada pelo facto de a Comissão não indicar em que elemento de prova assenta a sua afirmação segundo a qual a Michelin ameaçou recusar a entrada no clube aos revendedores que pretendiam colaborar com empresas de recauchutagem concorrentes (considerando 329 da decisão impugnada). Efectivamente, esta obrigação constava textualmente da convenção clube.

Conclusões sobre o clube

226. Resulta de tudo o exposto que a Comissão qualificou acertadamente de abusivas as três características do clube identificadas nos n.os  170 a 174 supra .

227. Contudo, a recorrente contesta ainda a determinação da duração da infracção. Observa que, mesmo admitindo que a Comissão fez prova bastante da existência da obrigação de "temperatura" para os revendedores membros do clube, não demonstrou que esta obrigação existiu durante todo o período controvertido. Com efeito, as declarações invocadas pela Comissão só dizem respeito ao período que ia de 1995 a 1997. Ora, cabe à Comissão provar não apenas a existência da infracção, mas também a sua duração (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, referido no n.° 77 supra , n.° 4270).

228. A este respeito, deve observar-se, antes de mais, que, na decisão impugnada, a convenção clube foi considerada um sistema de descontos contrário ao artigo 82.° CE. Trata-se de um dos sistemas de descontos de fidelidade que, segundo a Comissão, foram aplicados entre 1 de Janeiro de 1990 e 31 de Dezembro de 1998 (artigo 1.° da decisão impugnada). Em parte nenhuma da decisão impugnada a Comissão considerou que a infracção relativa ao clube (v. n.os  266 e 267 infra ), nem, por maioria de razão, cada uma das três características abusivas do clube, foram demonstradas relativamente a todo o período controvertido.

229. Mesmo supondo que a obrigação de "temperatura" só existiu durante o período 1995-1997, esta conclusão não seria susceptível de afectar a legalidade da decisão impugnada.

230. Por fim, deve notar-se que o carácter ilícito do clube foi demonstrado relativamente, pelo menos, ao período entre 1 de Janeiro de 1990 e 15 de Junho de 1998. Com efeito, não é de modo nenhum contestado que o clube existia desde 1990 e que, nesta época, as três características abusivas identificadas pela Comissão estavam presentes. Uma destas três características, a saber, as obrigações de informação e de respeito dos eixos de progresso, cobre todo o período entre 1 de Janeiro de 1990 e 15 de Junho de 1998, pelo menos. A recorrente, com efeito, comprometeu-se, em 30 de Abril de 1998, a suprimir as cláusulas relativas ao clube que foram consideradas abusivas pela Comissão, até 15 de Junho de 1998 o mais tardar.

231. Resulta de tudo o exposto que o terceiro fundamento deve também ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento: a Comissão cometeu um erro de apreciação ao considerar que da cumulação das várias condições impostas aos revendedores resultava um impacto adicional

232. A recorrente recorda que, no considerando 274 da decisão impugnada, a Comissão salienta que "a cumulação e a interacção das diferentes condições contribuiam para reforçar o seu impacto, e, por conseguinte, o carácter abusivo do "sistema" considerado no seu conjunto

" . Ora, a recorrente considera que os descontos legais não podem tornar-se ilegais pelo efeito cumulativo ou de contágio resultante da coexistência de vários sistemas de descontos paralelos. A Comissão não explicou, seja como for, as razões pelas quais um desconto legal se torna ilegal pelo simples facto de existir outro desconto em paralelo.

233. A premissa em que a recorrente baseia a sua argumentação está errada. Com efeito, a Comissão demonstrou na decisão impugnada a ilegalidade dos vários sistemas de descontos aplicados pela recorrente. Portanto, a Comissão não deduziu, na decisão impugnada, o carácter ilegal do "sistema" aplicado pela Michelin do efeito cumulativo de sistemas de descontos legais em si mesmos.

234. O quarto fundamento também não pode, portanto, ser acolhido.

Quanto ao quinto fundamento: a Comissão devia ter realizado uma análise concreta dos efeitos das práticas colocadas em causa

235. A recorrente afirma que o conceito de exploração abusiva visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante "que têm por efeito impedir [...] a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência" (acórdão Hoffmann-La Roche/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 91). O efeito da prática controvertida é, portanto, uma condição essencial para a aplicação do artigo 82.° CE.

236. Ora, no caso em apreço, a Comissão não examinou o efeito económico concreto dos comportamentos em causa. Se tivesse efectuado tal exame, teria verificado que esses comportamentos não tinham por efeito reforçar a posição da recorrente nem limitar o grau de concorrência existente no mercado. A recorrente sublinha, a este respeito, que as suas quotas de mercado e os seus preços diminuem constantemente, que os seus concorrentes reforçaram sensivelmente a sua posição no mercado e que novos produtores estrangeiros entraram no mercado. No entanto, desde a supressão das condições colocadas em causa, as quotas de mercado da recorrente reforçaram-se, o que demonstra ainda a ausência de efeito de fidelização das condições por ela impostas.

237. O Tribunal recorda que o artigo 82.° CE proíbe, na medida em que o comércio entre Estados-Membros seja susceptível de ser afectado, a exploração abusiva de uma posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste. Contrariamente ao artigo 81.° n.° 1, CE, o artigo 82.° CE não contém qualquer referência ao objecto ou ao efeito anticoncorrencial da prática em causa. Contudo, perante o contexto em que se inscreve o artigo 82.° CE, um comportamento só será considerado abusivo se for susceptível de restringir a concorrência.

238. Em apoio da sua argumentação, a recorrente refere-se à jurisprudência consolidada segundo a qual o conceito de exploração abusiva é um conceito objectivo que visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante susceptíveis de influenciar a estrutura de um mercado, no qual, precisamente em consequência da presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido e que têm por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal de produtos ou de serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (acórdãos Hoffmann-La Roche/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 91; Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 70; AKZO/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 69; e Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 111; sublinhado nosso).

239. O "efeito" que a jurisprudência referida no número anterior menciona não respeita necessariamente ao efeito concreto do comportamento abusivo denunciado. Para efeitos de demonstração de uma violação do artigo 82.° CE, basta demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tende a restringir a concorrência ou, por outras palavras, que o comportamento é passível ou susceptível de ter tal efeito.

240. Assim, no acórdão Michelin/Comissão (referido no n.° 54 supra ), o Tribunal de Justiça, após ter recordado o princípio reproduzido no n.° 238 supra , explicou que há que "analisar todas as circunstâncias e nomeadamente os critérios e as modalidades da concessão de descontos e apurar se esses descontos tendem, através de uma vantagem que não assenta em qualquer prestação económica que a justifique, suprimir ou restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, impedir o acesso ao mercado dos concorrentes, aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes ou reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada" (n.° 73). Concluiu que a Michelin tinha violado o artigo 82.° CE uma vez que o seu sistema de descontos era "susceptível de retirar aos revendedores a possibilidade de, a qualquer momento, escolherem, livremente e em função da situação do mercado, a mais favorável das ofertas propostas pelos diferentes concorrentes e de mudarem de fornecedor sem prejuízos económicos sensíveis" (n.° 85).

241. De onde resulta que, para efeitos de aplicação do artigo 82.° CE, a demonstração do objectivo e do efeito anticoncorrencial se confundem (v., neste sentido, acórdão Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 170). Efectivamente, se se demonstrar que o objectivo prosseguido pelo comportamento de uma empresa em posição dominante é restringir a concorrência, este comportamento é também susceptível de ter tal efeito.

242. Assim, relativamente às práticas em matéria de preços, o Tribunal de Justiça considerou no seu acórdão AKZO/Comissão (referido no n.° 54 supra ) que preços inferiores à média dos custos variáveis praticados por uma empresa dominante são considerados per se abusivos porque o único interesse que tal empresa pode ter em praticar tais preços é eliminar os seus concorrentes (n.° 71) e que preços inferiores à média dos custos totais, mas superiores à média dos custos variáveis são abusivos, quando são fixados no quadro de um plano que tem como finalidade eliminar um concorrente (n.° 72). O Tribunal de Justiça não exigiu, neste processo, qualquer demonstração dos efeitos concretos das práticas em causa.

243. Na mesma lógica, o juiz comunitário considerou que se a existência de uma posição dominante não priva uma empresa nessa posição do direito de preservar os seus interesses comerciais próprios quando estes estiverem ameaçados, e, se essa empresa tem a faculdade, em termos razoáveis, de praticar os actos que julgue adequados à protecção dos seus interesses, esses comportamentos já não são, porém, admissíveis quando têm como objectivo reforçar essa posição dominante e abusar dela (acórdão United Brands/Comissão, referido no n.° 55 supra , n.° 189; de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, referido no n.° 55 supra , n.° 69; de 8 de Outubro de 1996, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, referido no n.° 55 supra , n.° 107; e Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 112; sublinhado nosso).

244. Ora, na decisão impugnada, a Comissão demonstrou que os sistemas de descontos aplicados pela recorrente tinham por objectivo vincular os revendedores à recorrente. Estas práticas eram susceptíveis de restringir a concorrência porque visavam, designadamente, tornar mais difícil o acesso ao mercado em causa dos concorrentes da recorrente.

245. A recorrente não pode deduzir um argumento da circunstância de as suas quotas de mercado e os seus preços terem diminuído durante o período controvertido. Com efeito, quando uma empresa utiliza práticas cujo objectivo é restringir a concorrência, o facto de o resultado esperado não ter sido alcançado não basta para afastar a aplicação do artigo 82.° CE (acórdão de 8 de Outubro de 1996, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, referido no n.° 55 supra , n.° 149). Seja como for, é muito provável que a diminuição das quotas de mercado da recorrente (v. considerando 336 da decisão impugnada) e dos seus preços de venda (v. considerando 337 da decisão impugnada) tivesse sido mais significativa na ausência das práticas denunciadas pela decisão impugnada.

246. Deve também julgar-se improcedente o quinto fundamento, baseado em que a Comissão devia ter efectuado uma análise concreta dos efeitos em causa.

2. Quanto à alegada ilegalidade da coima aplicada

247. A recorrente formula cinco fundamentos relativos aos vários aspectos da determinação do montante da coima que lhe é aplicada pela Comissão. Num primeiro fundamento, a recorrente contesta a fixação do montante de partida para o cálculo da coima em 8 milhões de euros. O segundo fundamento diz respeito ao cálculo da duração da infracção e o terceiro visa o aumento do montante de base da coima por circunstâncias agravantes. O quarto fundamento respeita à alegada não consideração de certas circunstâncias atenuantes pela Comissão. O quinto fundamento, por fim, concerne à alegada violação do artigo 7.°, n.° 1, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH).

Quanto ao primeiro fundamento: a Comissão violou os princípios da equidade, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, o artigo 253.° CE e o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, ao fixar o montante de partida para o cálculo da coima em 8 milhões de euros

Decisão impugnada

248. Nos considerandos 354 a 358 da decisão impugnada, é explicado:

"354. O comportamento em causa, a saber, um sistema de descontos com carácter de fidelização, semelhantes aos anteriormente condenados de forma sistemática pela Comissão e pelo Tribunal das Comunidades Europeias, representa um abuso grave de uma posição dominante que visa eliminar ou, pelo menos, impedir o desenvolvimento dos concorrentes da Michelin nos mercados franceses de pneus novos para efeitos de substituição e de pneus recauchutados para veículos pesados. Um comportamento deste tipo deve ser considerado como uma grave infracção ao direito comunitário da concorrência.

355. A França é o único país da Comunidade em que a Michelin detém uma quota do mercado de pneus recauchutados superior à do mercado de pneus novos para efeitos de substituição. O efeito das vendas subordinadas entre o sector dos pneus novos e o dos pneus recauchutados, resultante da conjugação do prémio de progresso e da convenção PRO, pode ser pelo menos considerado como um dos factores que explicam este fenómeno singular.

356. O mercado francês é o mercado em que a Michelin possui as quotas de mercado mais elevadas comparativamente a outros Estados-Membros. Esta situação poderia ser indubitavelmente explicada pelos antecedentes da marca, mas o poder do clube dos amigos Michelin no mercado francês pode igualmente representar um fenómeno que contribui para explicar a sua razão de ser. Com efeito, o resultado da política do "clube" contribui indubitavelmente para a manutenção das quotas de mercado da Michelin junto dos "revendedores pertencentes ao clube" que possuem aliás, logicamente, quotas muito mais elevadas do que os comerciantes especializados independentes.

357. As infracções verificadas foram cometidas numa parte substancial do mercado comum e os seus efeitos, devido à compartimentação do mercado comum a elas inerentes, transcendem o mercado relevante, ou seja, o mercado francês.

358. Por estas razões, o montante da coima deve ser fixado em 8 milhões de euros, atendendo à gravidade, à extensão e aos efeitos da infracção em causa.

"

Exame dos argumentos da recorrente

249. Em primeiro lugar, a recorrente afirma que a Comissão violou os princípios da equidade, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento, o artigo 253.° CE e o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 ao fixar o montante de partida para o cálculo da coima num nível que corresponde ao dobro do adoptado para factos semelhantes na Decisão 2000/74 (referida no n.° 206 supra ). Referindo-se aos n.os  96 e 118 a 121 desta última decisão, a recorrente observa que os comportamentos censurados nesse e no presente processo são idênticos e limitam-se a um Estado-Membro. Além disso, a dimensão das empresas em causa é similar. Mesmo que a Comissão possa fazer variar o nível geral da coima, a recorrente sublinha que tem de tratar de maneira idêntica situações comparáveis (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Tate & Lyle e o./Comissão, T-202/98, T-204/98 e T-207/98, Colect., p. II-2035, n.° 118). Além disso, o facto de a Comissão ter adoptado as orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir "orientações" ) impõe, desde então, obrigações especiais de rigor, objectividade e transparência na determinação deste montante.

250. A recorrente acrescenta que, na decisão impugnada, o montante de partida para o cálculo da coima deveria ter sido sensivelmente inferior ao que foi adoptado pela Comissão na Decisão 2000/74 (referido no n.° 206 supra ), uma vez que o volume de negócios da British Airways, empresa visada pelas práticas censuradas nessa decisão, foi largamente superior ao da recorrente no mercado em causa. Por outro lado, sob pena de violar o artigo 253.° CE, a Comissão, ao afastar-se da sua prática decisória anterior, deveria, pelo menos, fundamentar mais explicitamente a sua apreciação da gravidade da infracção a fim de permitir à recorrente compreender a justificação do montante de base da coima (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1975, Groupement des fabricants de papiers peints de Belgique e o./Comissão, 73/74, Colect., p. 503, n.° 31, e de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão, C-350/88, Colect., p. I-395, n.° 15).

251. O Tribunal recorda, antes de mais, que a Comissão, nas suas orientações, qualifica de infracção grave os "descontos de fidelidade concedidos por uma empresa em posição dominante a fim de excluir os seus concorrentes do mercado" . Segundo as orientações, os montantes de partida possíveis para tais infracções variam entre 1 e 20 milhões de euros. O montante de partida de 8 milhões de euros imposto à recorrente no presente processo situa-se aquém do meio destes parâmetros.

252. É verdade que na Decisão 2000/74 (referida no n.° 206 supra ), que também dizia respeito a um sistema de descontos de fidelidade, o montante de partida para o cálculo do montante da coima foi fixado em 4 milhões de euros.

253. Contudo, a recorrente não pode alegar que a Comissão violou o princípio da não discriminação no caso em apreço. Efectivamente, por um lado, existem diferenças objectivas entre o processo que deu origem à Decisão 2000/74 e o presente processo. A British Airways, empresa visada pelas práticas em causa na Decisão 2000/74, ocupava uma posição dominante mais frágil que a ocupada pela recorrente no caso em apreço e o número de comportamentos abusivos de que aquela era acusada era inferior ao número de comportamentos abusivos de que a recorrente é acusada.

254. Por outro lado, de qualquer forma, a Comissão pode aumentar o nível das coimas para reforçar o seu efeito dissuasor. Consequentemente, o facto de a Comissão ter aplicado no passado coimas de um certo nível para certos tipos de infracções não pode privá-la da possibilidade de elevar esse nível, nos limites indicados no Regulamento n.° 17 e nas orientações, se isso se revelar necessário para garantir a aplicação da política comunitária da concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.os  105 a 108; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, ICI/Comissão, T-13/89, Colect., p. II-1021, n.° 385; e Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.os  245 a 247). A prática decisória anterior da Comissão não serve, portanto, de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência, dado que este é, unicamente, definido pelo Regulamento n.° 17 e pelas orientações (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T-23/99, Colect., p. II-1705, n.os  234 e 337).

255. Nestas condições, a Comissão também não era obrigada a fundamentar, na decisão impugnada, as razões pelas quais o montante de partida escolhido para o cálculo da coima não era idêntico ao fixado na Decisão 2000/74 (referido no n.° 206 supra ) (v., também, n.° 280 infra ).

256. Em segundo lugar, a recorrente observa que, na decisão impugnada (considerandos 355 a 358), a Comissão se baseou nos alegados efeitos da infracção, sem efectuar uma análise concreta, para apreciar a sua gravidade. Ora, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na sua avaliação dos alegados efeitos da infracção para determinar a sua gravidade. Efectivamente, segundo a recorrente, as práticas imputadas nunca tiveram os efeitos anticoncorrenciais que a Comissão lhes atribui.

257. A este respeito, a recorrente salienta que as suas quotas de mercado diminuíram sensivelmente ao longo dos últimos vinte anos e que os preços dos seus pneumáticos novos para veículos pesados baixaram consideravelmente ao longo do período controvertido. Uma apreciação correcta dos efeitos reais das práticas imputadas teria conduzido à verificação de que a gravidade da infracção era bem menor do que a determinada pela Comissão na decisão impugnada. O montante de partida da coima deveria, portanto, ter sido sensivelmente inferior a 8 milhões de euros.

258. O Tribunal recorda que a Comissão não examinou na decisão impugnada os efeitos concretos das práticas abusivas. Também não tinha de efectuar tal exame (v. n.os  237 a 245 supra ). Na realidade, a Comissão emitiu algumas especulações sobre os efeitos dos comportamentos abusivos nos considerandos 355 a 357 da decisão impugnada. Contudo, a gravidade da infracção foi determinada por referência à natureza e ao objectivo dos comportamentos abusivos. Efectivamente, a Comissão considerou que os sistemas de descontos aplicados pela recorrente constituíam um abuso grave da sua posição dominante porque consistiam em sistemas de descontos de fidelidade que "visa[vam] eliminar ou, pelo menos, impedir o desenvolvimento dos concorrentes da Michelin nos mercados franceses de pneus novos para efeitos de substituição e de pneus recauchutados para veículos pesados" (considerando 354 da decisão impugnada).

259. A argumentação relativa à evolução das quotas de mercado e dos preços de venda da recorrente não é susceptível de contrariar a conclusão de que a infracção foi grave. Por um lado, é muito provável que a diminuição das quotas de mercado da recorrente e dos seus preços de venda tivesse sido mais significativa na ausência das práticas denunciadas pela decisão impugnada. Por outro lado, resulta de uma jurisprudência consolidada (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão, T-141/94, Colect., p. II-347, n.° 636, e de 13 de Dezembro de 2001, Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, T-45/98 e T-47/98, Colect., p. II-3757, n.° 199) que os elementos relativos ao objectivo de um comportamento, podem ter mais importância, para efeitos de fixação do montante da coima, do que os relativos aos seus efeitos.

260. Resulta do exposto que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento: a Comissão cometeu erros manifestos de apreciação, violou as regras relativas à administração da prova, os princípios da equidade e da confiança legítima, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, as orientações e o artigo 253.° CE na determinação da duração da infracção

Decisão impugnada

261. Nos considerandos 359 e 360 da decisão impugnada, a Comissão explica:

"359. A infracção em causa vigorou por um período superior ou igual a dezanove anos, dado que a política comercial impugnada vigorou pelo menos desde 1980 e a Michelin, conforme referido na secção E, aceitou alterar as suas convenções, com efeito a partir de 1 de Janeiro de 1999. Contudo, dado que a Comissão centrou as suas averiguações no período compreendido entre 1990 e 1999, será apenas tido em conta o período de 1 de Janeiro de 1990 a 31 de Dezembro de 1998 para efeitos da determinação da duração da infracção. Por conseguinte, a duração dos abusos, conforme descritos para efeitos da presente decisão, é de nove anos.

360. Tendo em conta o que precede, o montante da coima imposta em função da gravidade da infracção deve ser assim majorada de 90% a fim de ter em conta a sua duração. Deste modo, o montante de base da coima eleva-se a 15,2 milhões de euros.

"

Exame dos argumentos da recorrente

262. Em primeiro lugar, a recorrente afirma que a decisão impugnada (considerandos 359 e 360) menciona a duração da infracção (no singular). Os vários "abusos" são, portanto, considerados uma só infracção. Contrariamente ao que alega a Comissão (considerando 359 da decisão impugnada), a infracção não foi uniforme, contínua e constante. As práticas censuradas tiveram uma intensidade degressiva e apenas foram aplicadas durante uma parte do período considerado. Assim, o regime de descontos quantitativos foi alterado em 1995 (concessão dos adiantamentos trimestrais) e foi definitivamente suprimido com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1997. Foi substituído por um sistema de descontos sobre a factura que a Comissão admitiu ser "menos inequitativo, produzindo um menor efeito de fidelização" (considerando 282 da decisão impugnada). A recorrente alterou depois, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1999, o sistema de descontos sobre a factura e suprimiu as últimas características que lhe conferiam ainda, aos olhos da Comissão, um certo efeito anticoncorrencial. O prémio de serviço foi definitivamente suprimido em 1 de Janeiro de 1997. O prémio de progresso foi substituído em 1997 pelo prémio por objectivo alcançado. Este último foi ainda alterado, em 30 de Abril de 1998, a fim de se suprimir retroactivamente, para o ano 1998, todo o efeito alegadamente de fidelização. A convenção PRO só foi instituída a partir de 1993 e foi substituída, em 1 de Janeiro de 1998, pelo "serviço de qualidade de carcaça" que, como admitiu a Comissão (considerando 311 da decisão impugnada), eliminou os elementos considerados abusivos do anterior sistema. Os elementos do clube censurados pela Comissão também foram progressivamente suprimidos pela recorrente. A obrigação de "temperatura" nunca existiu. A obrigação do revendedor de realizar a primeira recauchutagem das suas carcaças junto da recorrente foi suprimida em Outubro de 1995. Todos os outros elementos censurados foram suprimidos em 30 de Abril de 1998.

263. Por fim, a tese da infracção uniforme, contínua e constante é contrariada pela própria Comissão no considerando 80 da decisão impugnada.

264. O Tribunal recorda que no artigo 1.° da decisão impugnada, a Comissão observa que, "no período compreendido entre 1 de Janeiro de 1990 e 31 de Dezembro de 1998, [a recorrente] infringiu o [...] artigo 82.° [...] CE mediante a aplicação de sistemas de descontos com carácter de fidelização [...]" .

265. Para cada sistema de descontos identificado na decisão impugnada, a Comissão demonstrou o carácter abusivo na acepção do artigo 82.° CE. Importa pouco saber se a decisão impugnada considera estes vários sistemas de descontos abusivos uma só infracção ou várias infracções do artigo 82.° CE. Efectivamente, a Comissão pode aplicar uma coima única a uma pluralidade de infracções (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, referido no n.° 163 supra , n.° 236, e de 6 de Abril de 1995, Cockerill Sambre/Comissão, T-144/89, Colect., p. II-947, n.° 92). O Tribunal indicou, aliás, no seu acórdão Tetra Pak/Comissão (já referido, n.° 236), que a Comissão não tem de individualizar, nos fundamentos da decisão impugnada, o modo como tomou em conta cada um dos elementos abusivos imputados para fins de fixação da coima.

266. Na decisão impugnada, a Comissão nunca afirmou que todos os elementos abusivos identificados tivessem existido durante todo o período controvertido, a saber, de 1 de Janeiro de 1990 a 31 de Dezembro de 1998. A decisão impugnada assinala, de cada vez, a data em que um ou outro dos sistemas de descontos foi introduzido e eventualmente abandonado.

267. A coima única aplicada à recorrente abrange, assim, de forma global todas as infracções verificadas que cobrem todo o período controvertido. Basta observar, a este respeito, que os bónus de quantidade foram aplicados até 31 de Dezembro de 1996 e que foram substituídos por descontos sobre a factura em 1997, que foram aplicáveis até 31 de Dezembro de 1998, pelo menos, como resulta do compromisso da recorrente de 30 de Abril de 1998. É verdade que a Comissão admite na decisão impugnada que o sistema de bónus de quantidade evoluiu para um sistema "menos inequitativo, produzindo um menor efeito de fidelização" (considerando 282 da decisão impugnada), mas expôs em seguida, nos considerandos 283 a 285, as razões pelas quais os descontos sobre as facturas devem ser ainda considerados abusivos, na acepção do artigo 82.° CE. A recorrente não adianta qualquer argumento susceptível de contestar esta apreciação da Comissão.

268. A infracção relativa ao clube cobre, pelo menos, o período entre 1 de Janeiro de 1990 e 15 de Junho de 1998 (v. n.o  230 supra ).

269. O prémio de progresso, que existia desde 1 de Janeiro de 1990 e que foi substituído pelo prémio por objectivo alcançado em 1997, foi aplicado até 30 de Abril de 1998, pelo menos. Pelo seu compromisso de 30 de Abril de 1998, a recorrente obrigou-se, efectivamente, a pagar a cada revendedor o prémio máximo para o ano 1998, fosse qual fosse o volume de vendas realizado ao longo desse ano.

270. Ainda que alguns sistemas de descontos visados pela decisão impugnada não cubram totalmente o período controvertido ─ circunstância que a Comissão tem, aliás, em conta na decisão impugnada (v. considerandos 250, 259, 297 e 311 da decisão impugnada) ─, a Comissão concluiu acertadamente, no artigo 1.° da decisão impugnada, que "no período compreendido entre 1 de Janeiro de 1990 e 31 de Dezembro de 1998" , a recorrente violou o artigo 82.° CE através da "aplicação de sistemas de descontos com carácter de fidelização [...]" .

271. Em segundo lugar, a recorrente defende que a taxa de majoração da coima de 10% por ano de infracção, que foi aplicada pela Comissão, era desproporcionada, discriminatória e insuficientemente fundamentada.

272. A recorrente, referindo-se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão (C-333/94 P, Colect., p. I-5951, n.° 48), e ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão (T-229/94, Colect., p. II-1689, n.° 127), afirma que a taxa de majoração aplicada é excessiva pelas seguintes razões: a infracção que lhe é imputada teve uma intensidade degressiva; as práticas objecto da sanção não tiveram qualquer efeito no mercado, quando as orientações reservam a taxa máxima de 10% para as infracções que "produziram de forma duradoura efeitos nocivos em relação aos consumidores" ; cooperou contínua e exemplarmente com a Comissão ao longo do procedimento administrativo; o território afectado pelas práticas objecto de sanção pela Comissão limitava-se a França.

273. A taxa de majoração aplicada é, assim, discriminatória. Com efeito, tendo em conta a anterior prática decisória da Comissão [Decisão 98/273/CE da Comissão, de 28 de Janeiro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.°] do Tratado CE (IV/35.733 ─ VW) (JO L 124, p. 60, n.os  260 e segs.) que aplica uma taxa de majoração de 5% ao ano; Decisão 2001/354/CE da Comissão, de 20 de Março de 2001, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° do Tratado CE (Processo COMP/35.141 Deutsche Post AG) (JO L 125, p. 27, n.os  50 e 51) que aplica uma taxa de majoração de 3% ao ano], verifica-se que a Comissão adoptou, relativamente à recorrente, uma posição muito mais severa do que a adoptada relativamente a outras empresas acusadas de infracções ao direito comunitário da concorrência.

274. A decisão impugnada está também viciada por uma violação do artigo 253.° CE na medida em que não contém fundamentação suficiente que permita à recorrente compreender as razões pelas quais a Comissão considerou que uma majoração do montante da coima à taxa máxima era adequada e justificada no caso em apreço.

275. O Tribunal observa, antes de mais, que as orientações indicam que "para as infracções de longa duração (em geral mais de cinco anos)" , o montante de majoração pode "ser fixado relativamente a cada ano em 10% do montante considerado em relação à gravidade da infracção" . A majoração de 10% ao ano está, portanto, perfeitamente de acordo com os princípios expressos pela Comissão nas orientações.

276. A Comissão anuncia no ponto 1 B das orientações que "a majoração das infracções de longa duração será doravante consideravelmente reforçada em relação à prática anterior [...] no sentido de sancionar efectivamente as restrições que produziram de forma duradoura efeitos nocivos em relação aos consumidores" . Ora, dada a natureza do objectivo e da duração dos abusos em causa, é legítimo considerar que os comportamentos da recorrente falsearam consideravelmente o jogo da concorrência no mercado e, consequentemente, produziram também, de forma duradoura, efeitos nocivos em relação aos consumidores. Os efeitos dos sistemas de descontos, pela compartimentação do mercado que implicam, estenderam-se, necessariamente, para além do mercado francês.

277. Quanto à argumentação baseada na violação do princípio da não discriminação, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, certas taxas de majoração do montante da coima em função da duração da infracção não pode privá-la da possibilidade de elevar esta taxa, nos limites indicados no Regulamento n.° 17 e nas orientações, se isso for necessário para garantir a aplicação da política comunitária da concorrência (v., neste sentido, acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 254 supra , n.° 309, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Europa Carton/Comissão, T-304/94, Colect., p. II-869, n.° 89). Seja como for, nas decisões recentes, a Comissão aumentou a coima à razão de 10% ao ano em função da duração da infracção [Decisão 2000/74 (referida no n.° 206 supra ) e Decisão 1999/60/CE da Comissão, de 21 de Outubro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo [81°] do Tratado CE (Processo IV/35.691/E-4: ─ Cartel dos tubos com revestimento térmico) (JO 1999, L 24, p. 1)].

278. Quanto à afirmação de que a infracção censurada à recorrente foi degressiva em intensidade, importa salientar que, no seu acórdão Tate & Lyle e o./Comissão (referido no n.° 249 supra , n.° 106), o Tribunal considerou que um aumento da coima em função da duração não se limita à hipótese em que exista uma relação directa entre a duração e um prejuízo acrescido causado aos objectivos comunitários visados pelas regras da concorrência. De qualquer forma, os sistemas de descontos de fidelização aplicados pela recorrente durante todo o período controvertido (v. n.os  264 a 270 supra ) constituíam uma infracção grave às regras da concorrência que justificava um aumento do montante da coima à razão de 10% por ano de infracção, ainda que a intensidade de certos elementos abusivos possa ter variado ao longo do período controvertido.

279. Em seguida, foi tida em conta a cooperação da recorrente a título de circunstância atenuante (v. n.° 294 infra ).

280. Por fim, quanto ao dever de fundamentação, importa recordar que os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, KNP BT/Comissão, C-248/98 P, Colect., p. I-9641, n.° 42). Ora, a Comissão cumpriu estas exigências nos considerandos 348 a 365 da decisão impugnada. Estes fundamentos expõem os critérios utilizados pela Comissão para calcular a coima em função da gravidade e da duração da infracção. Além disso, incluem, para além das exigências formais do artigo 253.° CE, os elementos numéricos que orientaram a Comissão no exercício do seu poder de apreciação em matéria de fixação da coima (acórdão KNP BT/Comissão, já referido, n.° 45).

281. De onde resulta que o segundo fundamento deve improceder na íntegra.

Quanto ao terceiro fundamento: a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e violou o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e as orientações, ao aumentar o montante de base da coima por alegadas circunstâncias agravantes

Decisão impugnada

282. A Comissão explica nos considerandos 361 a 363 da decisão impugnada:

"361. A Michelin tinha sido já condenad[a] pela Comissão em 1981, condenação essa que foi confirmada pelo acórdão do Tribunal de Justiça no âmbito do processo NBIM no que se refere ao mesmo tipo de abuso de posição dominante, a saber, um sistema de descontos com carácter de fidelização. A reincidência é expressamente considerada na comunicação da Comissão que define as orientações [...] como uma circunstância agravante susceptível de conduzir a um aumento do montante da coima.

362. A Michelin entende que o facto de o Tribunal se ter pronunciado em relação a um outro mercado geográfico invalida o carácter reincidente das práticas abusivas da Michelin. A Comissão considera, em contrapartida, que incumbe a uma empresa em posição dominante que tenha sido condenada pela Comissão pôr termo não apenas às suas práticas abusivas no mercado relevante, mas assegurar também a conformidade da sua política comercial em toda a Comunidade com a decisão individual de que é destinatária, o que não foi o caso da Michelin, muito pelo contrário.

363. Deste modo, é necessário concluir que os abusos cometidos pela Michelin nos mercados relevantes acima definidos são agravados pelo facto de constituírem uma reincidência, o que justifica um aumento do montante de base da coima de 50%, isto é, de 7,6 milhões de euros.

"

Exame dos argumentos da recorrente

283. A recorrente afirma que, na decisão impugnada, a Comissão invoca erradamente um comportamento reincidente da sua parte. Em primeiro lugar, considera que as práticas objecto de sanções na decisão impugnada não são do mesmo tipo que as condenadas na decisão NBIM (referida no n.° 65 supra ) e o acórdão Michelin/Comissão (referido no n.° 54 supra ).

284. A este respeito, o Tribunal recorda que o conceito de reincidência, tal como esta é entendida num certo número de ordens jurídicas nacionais, implica que uma pessoa tenha cometido novas infracções após ter sido punida por infracções semelhantes (acórdão Thyssen Stahl/Comissão, referido no n.° 259 supra , n.° 617). Um dos exemplos de circunstâncias agravantes referidos pelas orientações é a "reincidência da [...] mesma[...] empresa[...] relativamente a uma infracção do mesmo tipo" .

285. A Comissão considerou correctamente que a infracção visada pela decisão NBIM (referida no n.° 65 supra ), que deu origem ao acórdão Michelin/Comissão (referido no n.° 54 supra ), era comparável à infracção visada pela decisão impugnada.

286. Com efeito, quer na decisão NBIM (referida no n.° 65 supra ) quer na decisão impugnada, a Comissão pôs em causa a aplicação, por uma empresa com uma posição dominante no mercado dos pneus novos de substituição para veículos pesados, de um sistema de descontos "susceptível de retirar aos revendedores a possibilidade de, a qualquer momento, escolherem, livremente e em função da situação do mercado, a mais favorável das ofertas propostas pelos diferentes concorrentes e de mudarem de fornecedor sem prejuízos económicos sensíveis" (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 72). Os sistemas de descontos analisados nas duas decisões "restringia[m], desta forma, a possibilidade de os revendedores escolherem as suas fontes de abastecimento e dificultava[m] o acesso dos concorrentes ao mercado" (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 85). Nas duas decisões, a Comissão pôs, portanto, em causa os descontos que não podiam ser equiparados a "simple[s] desconto[s] de quantidade exclusivamente dependente[s] do volume de compras" (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 72), mas que deviam, pelo contrário, ser considerados descontos de fidelização que punham os revendedores numa "situação de dependência" (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 85).

287. A argumentação da recorrente baseada em que a decisão NBIM (referida no n.° 65 supra ) visa um sistema de descontos por objectivos não pode de forma alguma colher, uma vez que, por um lado, na decisão NBIM (referida no n.° 65 supra ), a Comissão denuncia, tal como na decisão impugnada, o carácter de fidelização dos sistemas de descontos e que, por outro, a decisão impugnada denuncia também, designadamente, um verdadeiro sistema de descontos por objectivos, a saber, o "prémio de progresso" tornado "prémio por objectivo alcançado" (considerandos 67 a 74, e 260 a 271 da decisão impugnada).

288. De onde resulta, portanto, que a decisão NBIM (referida no n.° 65 supra ) e a decisão impugnada visam infracções semelhantes.

289. Em segundo lugar, a recorrente observa que, no passado, nunca tinha sido condenada pela Comissão por abuso de posição dominante ou por outras práticas anticoncorrenciais. A Comissão não podia, portanto, majorar a coima imposta à recorrente tendo em conta a infracção cometida pela sociedade NBIM na decisão NBIM (referida no n.° 65 supra ).

290. Importa notar que a recorrente confirmou, em resposta a uma questão escrita do Tribunal, que a sociedade visada pela decisão NBIM (referida no n.° 65 supra ) e a visada pela decisão impugnada são filiais detidas, directa ou indirectamente, em mais de 99% pela mesma sociedade-mãe, a saber, a Compagnie Générale des Établissements Michelin, com sede em Clermont-Ferrand. Logo, é legítimo concluir com razoabilidade que estas filiais não determinam de forma autónoma o seu comportamento no mercado. Uma vez que o direito comunitário da concorrência reconhece que sociedades diferentes pertencentes a um mesmo grupo constituem uma entidade económica e, portanto, uma empresa na acepção dos artigos 81.° CE e 82.° CE se as sociedades em causa não determinarem de forma autónoma o seu comportamento no mercado (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1984, Hydrotherm, 170/83, Recueil, p. 2999, n.° 11; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Janeiro de 1995, Viho/Comissão, T-102/92, Colect., p. II-17, n.° 50), e uma vez que, de acordo com a jurisprudência, a Comissão teria podido, se tivesse querido, aplicar a coima à própria sociedade-mãe nas suas decisões (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1972, ICI/Comissão, 48/69, Colect., p. 205, n.os  130 a 140; de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage Corporation e Continental Can Company/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.° 15; e de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect., p. 119, n.os  36 a 41; acórdão de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, referido no n.° 55 supra , n.° 154), a Comissão considerou acertadamente, na decisão impugnada, que a mesma empresa tinha já sido condenada em 1981 pelo mesmo tipo de infracção.

291. Em terceiro lugar, a recorrente afirma que a Comissão violou o artigo 253.° CE, os princípios da equidade e da igualdade de tratamento assim como o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e as orientações, ao aplicar uma taxa de majoração de 50% ao montante de base da coima, pela reincidência. Por um lado, a Comissão não explica as razões pelas quais aplicou uma taxa de 50%. Por outro, esta taxa é excessiva relativamente às diferenças entre as práticas imputadas no processo que conduziu ao acórdão Michelin/Comissão (referido no n.° 54 supra ) e no presente processo e relativamente à prática decisória anterior da Comissão [v. Decisão 94/215/CECA da Comissão, de 16 de Fevereiro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 65.° do Tratado CECA relativo a acordos e práticas concertadas entre produtores europeus de vigas (JO L 116, p. 1) em que foi aplicada uma majoração de 33,3%].

292. Importa recordar que, na fixação do montante da coima, a Comissão dispõe de poder de apreciação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T-150/89, Colect., p. II-1165, n.° 59). Não tem de aplicar fórmulas matemáticas precisas. O simples facto de, noutra decisão, ter majorado um montante de base em 33,3% por causa da reincidência não implica que esteja obrigada a aplicar a mesma percentagem de majoração na decisão impugnada. Efectivamente, a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência, dado que este é, unicamente, definido pelo Regulamento n.° 17 e pelas orientações (v., neste sentido, acórdão LR AF 1998/Comissão, referido no n.° 254 supra , n.os  234 e 337).

293. Há que recordar, em seguida, que a Comissão deve, a fim de determinar o montante da coima, velar pelo carácter dissuasor da sua acção (acórdão Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 54 supra , n.° 245). Ora, a reincidência é uma circunstância que justifica um aumento considerável do montante de base da coima. Efectivamente, a reincidência constitui a prova de que a sanção anteriormente aplicada não foi suficientemente dissuasora. No caso em apreço, a Comissão podia aumentar o montante de base da coima em 50% a fim de orientar o comportamento da Michelin para o respeito das regras da concorrência do Tratado.

Quanto ao quarto fundamento: a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação, violou os princípios da equidade, da proporcionalidade, da igualdade de tratamento, da confiança legítima, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, as orientações e o artigo 253.° CE, ao não ter em consideração algumas circunstâncias atenuantes

Decisão impugnada

294. No considerando 364 da decisão impugnada, é explicado:

"364 Tal como referido na secção E, a Michelin apresentou, em Fevereiro de 1999, alterações à sua política comercial, com efeito a partir de 1 de Janeiro de 1999 e que tinham como objectivo pôr termo à infracção. Estas alterações, implementadas antes do envio da comunicação de acusações à empresa, permitem-lhe beneficiar de circunstâncias atenuantes, o que justifica uma redução do montante de base da coima de 20%, isto é, de 3,04 milhões de euros."

Exame dos argumentos da recorrente

295. Em primeiro lugar, a recorrente afirma que a Comissão não teve suficientemente em conta, na decisão impugnada, a sua cooperação exemplar.

296. Por um lado, a Comissão subestimou a cooperação da recorrente ao longo do procedimento administrativo. A recorrente, com efeito, cooperou activamente com a Comissão desde Dezembro de 1997. Por outro lado, esta cooperação foi mal interpretada pela Comissão uma vez que a alteração das condições comerciais da recorrente no sentido desejado pela Comissão remontava a uma época bem anterior a Fevereiro de 1999. Assim, em Dezembro de 1996, a recorrente modificou unilateralmente as suas condições comerciais e suprimiu práticas que vieram depois a ser colocadas em causa pela Comissão. Em 30 de Abril de 1998, assumiu um compromisso formal com a Comissão de alterar as suas condições comerciais no sentido por esta pretendido.

297. A posição da Comissão na decisão impugnada é tanto mais surpreendente quanto noutros processos, em que se observava uma cooperação bem mais tardia das empresas em causa e em que os comportamentos censurados revestiam um carácter bem mais grave que as práticas imputadas à recorrente, a Comissão pôs fim ao procedimento sem adoptar qualquer decisão ou aplicando uma coima simbólica.

298. A este respeito, o Tribunal recorda que a recorrente cometeu, durante um longo período de pelo menos nove anos, uma infracção grave do artigo 82.° CE. Trata-se, além disso, de um caso de reincidência. Embora a recorrente tenha iniciado discussões com a Comissão em 1997, isso não impediu que a infracção tenha durado até 31 de Dezembro de 1998. Na realidade, a recorrente pôs fim à infracção antes do envio da comunicação de acusações, mas esta circunstância deu, designadamente, lugar, a uma redução de 20% do montante de base da coima. Quanto às referências a outros processos, que foram arquivados ou que conduziram à aplicação de uma coima menor ou simbólica, há que recordar que a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência, dado que este é, unicamente, definido pelo Regulamento n.° 17 e pelas orientações (v., neste sentido, acórdão LR AF 1998/Comissão, referido no n.° 254 supra , n.o  234). Assim, o facto de a Comissão ter considerado, na sua prática decisória anterior, que certos comportamentos constituíam circunstâncias atenuantes para efeitos da determinação do montante da coima, dando lugar a uma redução significativa da mesma ou ao arquivamento do processo, não implica que seja obrigada a fazer a mesma apreciação no presente caso (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Mayr-Melnhof/Comissão, T-347/94, Colect., p. II-1751, n.° 368, e LR AF 1998/Comissão, referido no n.° 254 supra , n.° 337).

299. De qualquer forma, a Comissão teve devidamente em conta a cooperação da recorrente, reduzindo a coima em 20%.

300. Em segundo lugar, a recorrente afirma que a Comissão devia ter tido em conta várias outras circunstâncias atenuantes. A recorrente observa, antes de mais, que contactou a Comissão, por sua própria iniciativa, em Julho de 1996. Esta expressou pela primeira vez, em 16 de Dezembro de 1997, a sua oposição a certas práticas. A recorrente alterou as suas condições comerciais no sentido desejado pela Comissão em pouco mais de quatro meses (em 30 de Abril de 1998). Ora, a recorrente defende que a duração da infracção poderia ter sido abreviada se a Comissão tivesse clarificado a sua posição mais rapidamente (v. acórdão Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, referido no n.° 290 supra , n.° 51; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T-305/94 a T-307/94, T-313/94 a T-316/94, T-318/94, T-325/94, T-328/94, T-329/94 e T-335/94, Colect., p. II-931, n.° 1158). Em seguida, a recorrente sustenta que teve contactos regulares com a DGCCRF. Refere-se, em especial, à carta da DGCCRF de 31 de Maio de 1989, à acta da reunião entre a DGCCRF e a recorrente, em 6 de Agosto de 1991, e a uma declaração do Sr. de La Laurencie, antigo chefe de serviços da DGCCRF. A partir de 1991, os contactos incidiram, especificamente, sobre a compatibilidade da política de preços da recorrente com o direito francês da concorrência. O exame da DGCCRF incidiu, assim, sobre o direito comunitário da concorrência. Como resulta da acta da reunião de 6 de Agosto de 1991, a DGCCRF indicou que a política de preços da recorrente não dava origem a "compartimentação nos países da CEE" e que "Bruxelas não devia ter críticas a formular" . O comportamento da recorrente demonstrou, portanto, que não tinha tentado dissimular os seus sistemas de descontos. Pelo contrário, apresentou-os de boa fé, à autoridade competente do seu Estado-Membro para aprovação. A recorrente defende que os contactos com a DGCCRF lhe criaram uma confiança legítima relativamente à legalidade das suas condições de venda, incluindo os seus sistemas de descontos (que foram examinados, especificamente, pela DGCCRF), ou, pelo menos, a legítima expectativa de que não seria punida pelos referidos comportamentos. A recorrente acrescenta ainda que, pelas mesmas razões, a Comissão não pode alegar que a infracção tenha sido cometida deliberadamente.

301. Por fim, a requerente defende que a Comissão condenou, pela primeira vez, a simples prática de um desconto de quantidade devido ao facto de o período de referência ultrapassar um prazo de três meses. Tendo em conta a novidade da qualificação do abuso, a Comissão não devia ter aplicado qualquer coima, ou devia ter aplicado uma coima simbólica.

302. O Tribunal observa, antes de mais, que o facto de a recorrente ter contactado a Comissão por sua própria iniciativa em Julho de 1996 não pode constituir uma circunstância atenuante, uma vez que a própria Comissão já em Maio de 1996 tinha aberto um inquérito (considerando 2 da decisão impugnada).

303. Em seguida, quanto ao argumento segundo o qual a duração da infracção poderia ter sido abreviada se a Comissão tivesse clarificado a sua posição mais rapidamente, deve notar-se que a demora relativa da instrução efectuada pela Comissão, que durou três anos, e depois do próprio procedimento administrativo, que durou dois anos, se explica pela complexidade e amplitude das investigações da Comissão, que incidiram sobre vários sistemas complexos de descontos aplicados pela recorrente (v., neste sentido, acórdão de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, referido no n.° 163 supra , n.° 245).

304. De qualquer forma, a recorrente não necessitava de qualquer clarificação por parte da Comissão para se dar conta de que os sistemas de descontos de fidelização eram contrários ao artigo 82.° CE. Esta conclusão resulta, efectivamente, de uma jurisprudência consolidada (v. n.os  56 a 60 supra ).

305. No que respeita aos contactos com a DGCCRF, nenhum documento demonstra que esta direcção tenha aprovado os sistemas de descontos aplicados pela recorrente na perspectiva do artigo 82.° CE. Na realidade, resulta da carta de 31 de Maio de 1989 que estes sistemas de descontos foram objecto de discussões com a DGCCRF porque esta considerava que "o conjunto dos descontos e reduções "que são um dado adquirido"

" devia "constar das facturas [...] seja qual for a data do seu pagamento" . Efectivamente, segundo a DGCCRF, a menção dos bónus sobre a factura permitiria ao revendedor "calcular o seu preço de revenda a partir de uma base mais próxima da realidade" . Apesar de a DGCCRF tolerar, no momento, a proposta feita pela recorrente, isto é, "a elaboração [...] no início do ano de um "quadro estimativo de condições Michelin" para o ano em curso

" , a DGCCRF considerava "que a prazo, a única via correcta para uma aplicação da regulamentação consiste na menção na factura [de todos os descontos que são dados adquiridos]" . Não resulta, portanto, desta carta que a DGCCRF tivesse considerado que os sistemas de descontos praticados pela recorrente eram compatíveis com o artigo 82.° CE ou com o direito francês. Como resulta da declaração do Sr. de La Laurencie, as discussões incidiram sobre as dificuldades geradas pelo sistema de descontos praticado pela Michelin para se determinar o "nível do limiar de revenda com prejuízo" . A legislação francesa proibia, com efeito, a revenda com prejuízo.

306. A acta de uma reunião entre a recorrente e a DGCCRF, em 7 de Fevereiro de 1991, mostra que a DGCCRF, longe de aprovar o sistema de descontos aplicados pela recorrente, colocou questões sobre a "legalidade do sistema [...] de bónus de fim de ano" . O sistema dos bónus era considerado uma "distorção da concorrência" e a DGCCRF avisou a recorrente de que se "prossegui[sse] as suas práticas actuais, arrisca[va]-se a voltar a ver-se envolvid[a] num processo que poderia ser muito oneroso" .

307. Quanto à acta da reunião de 6 de Agosto de 1991, há que notar que resulta deste documento que, por ocasião desta reunião, a recorrente informou a DGCCRF do aumento dos seus preços em 10%. Na sequência da questão de saber se esta "operação [era] generalizada à CEE" , a recorrente respondeu afirmativamente. A reacção da DGCCRF foi então a seguinte: "Não existirá, portanto, compartimentação nos países da CEE. A Michelin não poderá ser acusada de fragmentar o mercado. Bruxelas não deve ter críticas a formular." A recorrente baseia-se neste excerto repetidas vezes para defender que o seu sistema de descontos foi aprovado pela DGCCRF. Contudo, importa observar que a reunião incidiu apenas sobre o aumento dos preços pela recorrente e não sobre a legalidade do sistema de descontos por ela aplicado.

308. De onde resulta que os contactos que a recorrente teve com a DGCCRF não lhe puderam criar a confiança legítima de que o seu sistema de descontos estava de acordo com o artigo 82.° CE. Os contactos que teve com esta direcção não podem, portanto, ser considerados uma circunstância atenuante, nem um elemento que contrarie a conclusão de que a infracção foi cometida deliberadamente.

309. Por fim, contrariamente ao que alega a recorrente, os bónus de quantidade que aplicou não são simples descontos de quantidade. Trata-se de um sistema de descontos de fidelidade que, de acordo com uma jurisprudência e uma prática decisória consolidadas, é proibido pelo artigo 82.° CE quando aplicado por uma empresa em posição dominante (v. jurisprudência referida nos n.os  56 a 60 supra ). Não há, portanto, qualquer "novidade" na qualificação das práticas da recorrente como abuso de posição dominante.

310. De onde resulta que o quarto fundamento também não pode ser acolhido.

Quanto ao quinto fundamento, baseado na violação do artigo 7.°, n.° 1, da CEDH

311. A recorrente afirma que a Comissão violou o artigo 7.°, n.° 1, da CEDH ao impor-lhe sanções pelos abusos alegadamente cometidos. Observa que um grande número de acusações a si dirigidas não seguem a prática anterior da Comissão em matéria de abuso de posição dominante. A este respeito, refere expressamente a abordagem da Comissão na decisão impugnada relativamente aos bónus de quantidade e à obrigação de os revendedores fazerem publicidade a favor da Michelin. Ora, o artigo 7.°, n.° 1, da CEDH proíbe alterações repentinas de práticas decisórias que passem a punir comportamentos até aí considerados legais.

312. Este fundamento deve também ser julgado improcedente. Com efeito, baseia-se, erradamente, na alegada novidade das questões de direito decididas na decisão impugnada (v. n.° 309 supra ).

3. Conclusões gerais

313. Resulta de tudo o exposto que deve ser integralmente negado provimento ao recurso.

(1) .

(1) Dados confidenciais ocultados

(2) Dados confidenciais ocultados.

(3) Dados confidenciais ocultados.

(4) Dados confidenciais ocultados.

(5) Dados confidenciais ocultados.

(6) Dados confidenciais ocultados.

(7) Dados confidenciais ocultados.

(8) Dados confidenciais ocultados.

(9) Dados confidenciais ocultados.

(10) Dados confidenciais ocultados.

(11) Dados confidenciais ocultados.

(12) Dados confidenciais ocultados.

(13) Dados confidenciais ocultados.

(14) Dados confidenciais ocultados.

(15) Dados confidenciais ocultados.

(16) Dados confidenciais ocultados

(17) Dados confidenciais ocultados.

(18) Dados confidenciais ocultados.

(19) Dados confidenciais ocultados.

(20) Dados confidenciais ocultados.

(21) Dados confidenciais ocultados.

(22) Dados confidenciais ocultados.

(23) Dados confidenciais ocultados.

(24) Dados confidenciais ocultados.

(25) Dados confidenciais ocultados.

(26) Dados confidenciais ocultados.

Quanto às despesas

314. Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la a suportar, além das suas próprias despesas, as da Comissão, em conformidade com pedido desta.

315. Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo a parte interveniente suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1) É negado provimento ao recurso.

2) A recorrente suportará as suas próprias despesas, bem como as apresentadas pela Comissão.

3) A Bandag Inc. suportará as suas próprias despesas.