Ouvi da minha desdita
Certo dia em que eu passei
Numa ruela tão estreita
Que onde fica eu já nem seiCalhou de estar à janela
Nesse dia, àquela hora
A criatura tão bela
Que naquela casa moraDelicada de cintura
E com setas no olhar
Ao ver a minha figura
Sorriu e mandou-me entrarNesse dia à mesma hora
Não chegou pelo jantar
O fiador da cidade
E lá o foram procurarVeio dar à beira rio
Sem roupas, sem cor, desfeito
Com as vergonhas de fora
E três facadas no peitoPor nunca ter um tostão
Fui o principal suspeito
Fizeram de mim o vilão
Naquele golpe perfeitoLogo de manhãzinha
Ao juiz eu fui chamado
E qual não foi o meu espanto
Eu já lá tinha estadoEra aquela tal ruela
Estreita como a minha sorte
Sem ter ninguém à janela
Desta vez bati à portaSem nada que desculpasse
Obra que eu não assinei
Fosse qual fosse o desfecho
Eu nada tinha contra a leiE o meu álibi ficou preso
No nó da minha garganta
Sei que se põe à janela
E se houver sol ainda canta.