39.8 Aurora-8

ciclo 3º Ciclo e Secundário
id Aurora-8
pof entrevista_Aurora

Eu era diretora de turma e havia uma aluna, que até ficava sempre nas primeiras filas, aluna boa, de 14 e 15, uma aluna razoável. A determinada altura, começou a baixar as notas, nas aulas estava absorta. Eu sentia que ela não estava lá, no final da aula chamei-a e falei com ela. Disse-lhe que se quisesse falar, eu estava disponívela - ela não quis. Passado uns dias - não sei quantos - veio ter comigo e disse: “A professora tem razão. Eu não ando bem”. Ela já andava no décimo primeiro ano, na altura. Ela disse: “Eu fico a fazer o jantar, depois vou para a minha cama e o meu pai vem para a minha cama e põe-me as mãos nas maminhas.”. “Como é que pode ser? Disseste à tua mãe?”. Ela respondeu-me: “Eu disse, mas ela não acredita, diz que eu quero separá-los”. Eu, logo no princípio do ano, vi que na ficha dela o encarregado de educação era a avó. Eu perguntei-lhe se ela vivia com a avó e ela disse que não. Chamei a avó, que era a encarregada de educação, e disse: “Olhe, a senhora sabe que se passa isto assim e assim”. “Sei minha senhora, ele é meu filho! Eu sei”. “Então porque é que a senhora não a tira de casa dele, assim de mansinho e vem para sua casa, a senhora controla melhor”. “Oh minha senhora!” – ela assim muito parolita – “Oh minha senhora, tenho um genro lá em casa que ainda é pior!”. Ai no que eu estou metida! Passei três noites a chorar, mas acredite que eu era assim: “Se o meu marido fizesse isso a um filho meu acho que o matava”. Eu não sou nada violenta, mas acho que fazia isso, são coisas que eu não admito. Eu ia para a cama e pensava: “Como é que eu hei-de fazer? Eu tenho que tirar aquela miúda de casa. Vou lá e tiro, mas não pode ser, não pode ser.” Falei com a professora de religião e moral, que ela tinha religião e moral, pedi para ela falar com ela. Depois, a colega veio ter comigo e disse: “Aurora, é verdade!” (suspira fundo), portanto, depois chamei a avó e disse: “Pois, minha senhora, mas a senhora tem que tomar uma decisão, senão eu chamo a polícia”. Disse mesmo: “Eu chamo a polícia”. Naquela altura, ainda não havia nada destas coisas da CPCJ, não havia nada disso. Entretanto, acho que a coisa amainou. Fomos para as reuniões de final de ano e o professor de Matemática disse que ia chumbar essa aluna. Eu disse: “Oh A. não faças isso”. Ele insistiu. Eu, cá para mim, “pronto, vai ser uma votação”. Fui para a reunião e o professor de matemática “9” e ela com 9 reprovava. Eu deixei, acabou de ditar as notas, eu estive a analisar os casos e fomos para o caso dela. Eu disse: “Ora bem, temos aqui o caso da X que não faz o curso por causa da disciplina de Matemática”. Diz assim uma colega: “Votamos”. Estivemos uma hora a discutir o assunto, e o da Matemática não cedeu. Eu disse: “Bem, eu queria evitar dizer isto mas com esta menina passa-se isto assim, assim, assim e ela tem que ir trabalhar para sair de casa”. Eu vi lágrimas nos olhos dos homens. Mas vi mesmo! Pronto, aí toda a gente… fizemos tudo para construir o texto. Estivemos ali um tempinho e ficou o texto. Nesse dia, era a sardinhada lá na escola de final de ano - eu fui ao presidente do conselho diretivo - e disse-lhe: “M. anda cá, olha na turma tal vais lá encontrar uma votação de nota, ai de ti se mandas a ata para trás” (risos) “que aquilo foi super pensado, bem fundamentado, por isso não ouses…” - nunca tive problema nenhum. Foi outra coisa muito marcante que eu tive. Porque estas coisas a gente vê no cinema, vê nos jornais, vê na televisão, mas à nossa frente… e a gente estar praticamente de mãos atadas! É horrível, horrível, horrível! Foi muito chato, foi muito chato. Mas pronto, depois nunca soube mais nada dela, nunca mais, espero que seja feliz, mas nunca mais soube nada. Foi outro aspeto marcante do meu percurso e sobre família-escola.