title: Romance de um dia na estrada in: "Sobreviventes"; 1971 from: Luís Miguel Alçada author: Sérgio Godinho Andava há já vinte dias ao frio, ao vento e à fome às escondidas da sorte um dia fraco, outro forte qu'o dia em que se não come é um dia a menos pr'á morte Um dia fraco, outro forte(2) Quando um barulho de cama a voltar-se d'impaciente me fez parar de repente era noite e o casarão não tinhas lados nem frente dentro havia luz e pão Me fez parar de repente(2) Ó da casa, abram-m'a porta fiz as luzes se apagarem cheguei-me mais à janela vi acender-se uma vela passos de mulher andarem e uma mulher muito bela chegou-se mais à janela(2) Não tenhas medo, eu não trago nem ódio nem espingardas trago paz numa viola quase que não fui à escola mas aprendi nas estradas o amor que te consola Trago paz numa viola(2) Meu marido foi pra longe tomar conta das herdades ela disse "Companheiro" eu disse "Vem", ela "Tu primeiro" "Tu que me falas de estradas" "E eu só conheço um carreiro" Ela disse "Companheiro"(2) A contas com a nossa noite afundados num colchão entre arcas e um reposteiro descobrimos um vulcão era o mês de Fevereiro e o Inverno se fez Verão Descobrimos um vulcão(2) E eu que falava de estradas e só conhecia atalhos e ela a mostrar-me caminhos entre chaminés e orvalhos pela manhã, sem agasalhos voltei a rumos sozinhos E ela a mostrar-me caminhos(2) Andarei mais vinte dias ao frio, ao vento e à fome às escondidas da sorte um dia fraco, outro forte qu'o dia em que se não come é um dia a menos pr'á morte Um dia fraco, outro forte(6)